Não me inveje, trabalhe!

Frases de caminhão sempre me seduziram. E me recordo desta literatura que sorvi nas estradas, inspirada pela brisa matinal das curvas mineiras ou das retas nordestinas quando eu era adolescente e viajava com meus pais. Eu carregava no colo uma agenda creme com os símbolos do Bic Banco impressos na capa, cortesia paterna. Anotava com minha bic azul (caneta que eu adoro até hoje), as frases de caminhão que ia lendo pelos caminhos do país. E eu e meu pai ríamos e filosofávamos naquela intimidade que só pai e filha podem ter. Vez ou outra, saia justa para ele: explicar à menina que eu era as metáforas sexuais que um ou outro caminhoneiro ousado imprimira em seu pára-choque.

Um dia me deparei com a frase-título, útil para este texto. Não entendi logo e perguntei o que todas as meninas perguntam: como assim, meu pai? Eu não conseguia entender que alguém pudesse invejar um caminhoneiro, homem cansado que carregava para lá e para cá as mercadorias do país. Sem casa, sem família, sem porto. Então meu pai começou a me mostrar um outro mundo, diferente da redoma com que me protegera. Nos postos de abastecimento em que parávamos, descíamos do carro e ele tagarelava com os caminhoneiros sobre as estradas. Assim pude subir numa boléia e, maravilhada, ver a cama que eles carregam no luxo de transporte que podem ter. No amanhecer de uma curva mineira, viajando desde às 4 da matina, quando o galo cantou numa fazenda de beira de estrada e o sol fez o favor de amanhecer lindo, eu pude entender porque Sula Miranda era a musa deles. A graça daquela mulher que cantava para a população flutuante dos caminhos (mal) asfaltados do país, precisava encontrar as almas sedentas de majestade, ainda que sabiás. Roberta Miranda, os chitãozinhos, os xororós… todos eles enchem de poesia a manhã de quem vê o sol nascer nas estradas, pássaros livres que são, amantes de mulheres que os esperam e de outras que deixam pelos caminhos. Música requer ocasião, não se revoltem os amantes do jazz.

Assim conheci uns caras legais, que viviam na boléia com esposa e filhos e, como tartarugas, carregavam a casa no baú de lentos e vagarosos caminhões.

Fascinada pela itinerância destes homens, pela sua liberdade, ainda que na minha cabeça poética, descobri o prazer das estradas. Meu pai parava em TODAS as cachoeiras do caminho para que tomássemos banho no melhor estilo “fugere urbem” “in natura” que pudemos ter. E foi assim que aprendemos rapidinho a trocar de roupa no automóvel, com ou sem toalha a cubrir os pudores. Ah, com licença, não posso deixar de falar que comemos jaca doce de uma velhinha que as vendia no sul da Bahia durante mais de sete anos seguidos, quando íamos de carro ao Espíritio Santo. E também provamos todos os pastéis de beira de estrada que encontramos. Farra pura.

Voltando aos caminhoneiros, não os invejei. Que nada! A gente fez do Monza um caminhão de sonhos. E para lá e para cá, quando viajávamos, nós ríamos das maluquices molecas de meu pai, do tipo viajar com quatro calcinhas penduradas no fundo do chevrolet de luxo sem um pingo de pudor… E ele ria, com a cara descarada dele, porque era ele mesmo, pai e marido, que nos fazia o favor de lavá-las todas com sabão de coco nas pedras dos rios Doce, Jequitinhonha, São Francisco ou dos riachos da beira do caminho, todo orgulhoso de suas quatro mulheres.

Parecíamos ciganos, com fogareiro, botijas de água, sabonete, shampoo, talheres e o que mais imaginarem dentro do carro. Certamente é por isso que até hoje eu sou muito carregadora de coisas… Meio kit para tudo, em todos os lugares. Vai que a gente precisa, né? 😉

Por que é que eu estou escrevendo isso hoje? Não sei precisar se é o inconsciente me avisando que o dia dos pais está próximo. Mas sei que hoje, quando eu dirigia (coisa que amo fazer por herança dele) bem cedinho, às 6h50 da matina, para o primeiro dia de aula do semestre na faculdade, me peguei feliz e sorrindo… Uma música indefinida no rádio e mais a alegria de guiar (que é metáfora para mim de dirigir minhas estradas pessoais). Pensei no carro que era segunda-feira, que as férias tinham acabado, que o dia começara e que virão novos alunos, novas pessoas, novos desafios. Sorri largo então. Porque eu amo a minha profissão.

Por isso, não me inveje, trabalhe (risos). Mas descubra o trabalho que o completa, que o anima, que o faz pensar que a vida vale a pena e que o resgata dos vales obscuros do existir. Saber-se-á, então, feliz.

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Love is in the air

Dei aula sobre romantismo agora. Relembrei minhas histórias de amor. Havia adolescentes na sala. Li Gonçalves Dias. Li José de Alencar. Li Casimiro de Abreu. Li Gonçalves de Magalhães.

Falei de amor na sala. Meus alunos me enquadraram na segunda geração, a dos ultra românticos. A aula passou e nem percebemos. Foi uma delícia.  

Cheguei à casa. Recebi uma carta de amor, ops, carta é coisa antiga, recebi um e-mail de amor (acho que prefiro falar carta de amor, não?). Ouvi uma canção. Também de amor.

A vida é bela sim.

Pra não dizer que não falei das flores

“Se tens dois pães, vende um e compra um lírio”. Demorei na adolescência a entender. Nada ipse litteris. Adentrar o ciclo das rosas leva tempo, exige experiência e alma predisposta… A subjetividade desenvolve-se, a emoção aguça-se, o olhar aprimora-se, o lirismo lapida-se e sente-se até que, finalmente, irrompe em espasmos de êxtase e beleza…

Há que se entender a unicidade da rosa em Saint- Exupèry, depois não esquecer a anti-rosa de Vinícius e espantar-se com a flor de Drummond, aquela que nasceu na rua, furando tudo: o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio… 

Há que se ler a rosa de Eco e ver o filme. Também é preciso assistir à Daniela cantando a rosa do Olodum com o público inteiro emocionado, com lágrimas nos olhos. Deve-se também deitar na cama e ouvir a rosa de Pixinguinha na voz de Marisa… Cantar alto como um mantra Pra não dizer que não falei das flores em momentos de fraqueza, de solidão, de busca ou de ‘suspiros poéticos e saudades’… Ainda é preciso andar cantarolando ao descobrir que “eu sou eu e você é você”, que ainda assim se pode dizer que “eu vejo flores em você”… Também se deve entender a efemeridade de todas as coisas (que justifica o carpe diem tão proclamado pelos ventos no mundo) depois de chorar no espelho até ficar cansada por constatar pasma a descoberta de que só “as flores de plástico não morrem”…

É necessário que muitas primaveras passem até que a compreensão exata das flores nos chegue e nos arrebate em jardins… assim conseguimos entender a majestade dos lírios do campo e contemplar a riqueza dos Canteiros.

Que bom então perceber que, de todos os aniversários, este foi o mais primaveril :

 

 Um aluno querido me enfeitou a alma com suas margaridinhas matizadas…

As meninas da 5a série me abraçaram com as margaridinhas amarelas. Oraieiê!

Uma aluna e minha avó entenderam que mulheres precisam de rosas…

E eu, um relicário de sonhos e romantismos, me dei estas orquídeas tão doces…

… e, como Érico me impressionou desde o passado adolescente, aquele Veríssimo, eu me lembrei de trazer  para a minha sala também os lírios do campo…

…porque, finalmente, aprendi que há aves no céu.

Tanti auguri a me!

Tanti auguri a me!

Hoje é dia de 5S! Dia de jogar fora o que passou e não serve mais.

Dia de traçar novas metas.

Dia de pensar no que vale a pena. Reafirmar convicções.

Ainda que seja para que elas desmoronem ano que vem…

Dia de planejar o bolo e o brigadeiro para repartir com quem realmente importa e está perto. Dia de lembrar saudosamente dos amigos que andam aí pela vida, uns tão longe, tão distantes… mas a quem o tempo ou o espaço não importa.

A chuva de Oxum já me abençoou como é sempre seu costume. Já tomei o meu banho de chuva hoje, ainda que pela janela, molhando as mãos.

Vou ali, com licença, aliás, sem licença também, que hoje, com certeza, é dia de ser feliz!

Arranjei um casamento

(Pausa para eu dar risada)

Sabe aquelas festas, tipo formatura de prima? Pois é. A partir de hoje, eu já poderia ser noiva, não fosse este daqueles pretendentes que eu não pretendo. (parte V)

Estava eu lá, na reunião da faculdade, com minha compenetradíssima coordenadora, ansiosa para ser logo liberada para encontrar a família dos primos dos primos dos primos de minha mãe. Mais ou menos isso. Vá lá que moças ainda não “desposadas” precisam ir aos bailes para ver se encontram um cavalheiro ( nos tempos modernos, está rolando cavaleiro também!). E tudo em plena terça-feira, que hoje a gente não pode dispensar oportunidade.

De uma faculdade, rumei de salto alto, maquiagem e cabelo arrumado uns 26 km para a reitoria de outra. Consegui me atrapalhar no estacionamento e chegar a tempo de ver todos dando parabéns na formanda (oba!). Perdi todos os trâmites da cerimônia. Mas entrei faceira, do alto dos meus 15 centímetros de salto agulha, sorrindo para todos. A tempo de ouvir os gritinhos das primas, eufóricas no que bom que você veio. Tratei de ver a nova odontóloga, dar-lhe aqueles dois abraços apertadíssimos (ah, cria minha: eu dava aula de português a ela quando ia fazer vestibular) e mais uns mil beijinhos típicos de mulheres nestas circunstâncias.

Aí chegou a melhor parte da festa: a parentada. Risada de cá, risada de lá, veneno daqui, veneno dali. Titititi ti-ti-ti-ti tátátá… Tomara que não falem mal de mim na próxima esquina, mas depois dos trezentos elogios também típicos destas ocasiões, fui apresentada à prima de minha mãe que eu nem sei se ela própria conhecia(risos).

Pois a figura estava doida para arranjar um partido para a outra figura: o filho. E parece que urgente. O ‘miserárviu’ do primo que eu adoro foi dizer em alto e bom som: solteirííííssima (assim, encompridando os iiiiiiii). A mulher enlouqueceu. O menino nem era feio nem nada, mas me economize! Jardim de infância em decadência franca. Como diz aquela oração que eu rezo todos os dias: ô meu deus, me ajude para eu ser pobre um dia… porque ser todo dia é f#da!

Aí veio a graça da história: fim de festa, a tal da prima que eu nem decorei o nome tratou de fazer o rapaz ficar me galanteando, me dar a mão e o braço para eu me equilibrar no meu salto – e eu adorando escandalizar as madames com o agulha 15 e com o perfeito equilíbrio com que eu ando. O pobre do pretendente sequer sorriu, o coitado. Ficou com aquela cara meio deslumbrada de quem gostou, mas também de quem não parava de pensar: minha mãe me faz pagar cada mico… E ela, a minha já-ex-futura-sogra, queria me trazer em casa, me dar carona, marcar para sair, esticar a noite…”Apareça lá em casa”… Ahahaha, acho que vou inaugurar a série esta sogra eu não pretendo.

E eu? Fugi com a Banda Podre da família: fui comer pizza com os primos que eu mais adoro e … gargalhar até agora, lógico, fuxicando de toda a festa e das pessoas. Para encerrar a noite, ainda ouvi as piadinhas do meu primo preferido: Alena cada festa sai casada. Uma vez, foi o gago; já houve o casado e também o tarado; naquela vez, o galante; em outra, o troglodita… e nesta, o infante. Eu mandei ele ir parando por aí, ou ampliando logo o leque de oportunidades! Melhorando, se possível. “Que eu sou pobre, mas sou limpinha”. (risos, muitos risos).

Covardia

Fui conhecer um blog  hoje e achei um texto de que ouso transcrever trechos:

Tenho uma relutância figadal aos fins.
Recuso-me a pôr uma pedra no mal-resolvido.
Adio as decisões na esperança de que se revelem injustas.

(…) 

Já todos tivémos despedidas inglórias – sentimo-nos uma peça de contrafacção em forma de gente.
Mas o que eu não sabia é que há despedidas por e-mail, messenger e até sms.
É a ‘p—” da tecnologia a canabalizar os sentimentos.
Dá vontade de fugir daqui. “

Isso estava lá, no post do Woman Like You. 

Debalde eu já tentei me comunicar com uma figura que ia ser o meu amor para sempre e que , depois de resolver não querer mais, não se deu ao trabalho sequer de olhar-me nos olhos ao se despedir.

Assim, a última grande mágoa com que tive que aprender a lidar foi um adeus pelo telefone, um e-mail escrito “delete-me”, um eterno eu não atendo mais você. É muito absurdo o imperativo tecnológico: engoliu as pessoas. 

À época, escrevi ao fulano um e-mail gigante que começava assim: “Não se deletam pessoas.”

Reli agora o tal do e-mail que mandei e … nossa, acho que vou participar do Mulheres que Amam Demais (risos). Em breve, vou inaugurar de verdade a categoria Love End no blog. Os amores idos e bem vividos. E as lágrimas choradas. E bem sentidas.

De novo, posso confessar que vivi.

Quinta-feira

Crédito da imagem: https://i0.wp.com/fmwww.bc.edu/jenson/safari/Cats/Lioness.jpg

31 anos chegando e muita coisa já realizada.

Muita lágrima chorada, muita dor sentida, mas também muita risada e muita gargalhada.

Já tive perdas que poucos tiveram na mesma idade em que eu as tive: pai e mãe.

Já realizei sonhos que muitos mantêm utópicos: adotei uma menina.

Fiz muito do que quis até hoje, quase nada deixei de realizar. O que dependeu de mim, batalhei e consegui. O que não pude ter, deixou de me importar. Assim minha avó me disse uma vez: ô, filha, você vai ser sempre feliz… não é porque tem tudo que ama, não. É porque ama tudo que tem.

Uma amiga me diz: me salve, Al, que eu confio em seu bom senso. Outra diz assim: Al, te liguei porque queria rir, queria me divertir, você tem bom astral e tenho certeza de que vai me fazer sorrir. Um pequenino garoto de três anos, eufórico, diz ao pai e à mãe: eu gosto de essa, eu gosto de essa…

Vendo estas manifestações, continuo pensando em sempre manter o mesmo jeito de ser: e a receita é simples. Misturo a gentileza ao sorriso de sempre estampado no rosto, o bom humor à vontade de partilhar as coisas boas que tenho ou que vivi, a sinceridade sempre, a vontade de ajudar e o respeito às idiossincrasias alheias. Bem como o respeito a mim mesma, que esse há anos eu aprendi e não largo, não.

Ah, entendam todos a leoa, leonina: felina dócil, com este olhar meigo, mas que sabe muito bem mostrar as garras e os dentes, bem como rugir trovões em casos de injustiças ou de pisadas nos calos dela. Ahahah, ninguém se engane.

Posso confessar que vivi, mas confesso que quero viver muito mais!

Para o futuro, quero:

colo, atenção e carinho,

amigos de sempre e uns poucos mais para ampliar os horizontes continuamente,

continuar viajando, fotografando e escrevendo,

salas de aula cada vez mais ávidas em aprender,

din din, que eu não sou besta e sei que, se a vida é boa, com dinheiro ela pode ser bem melhor,

saúde para gozar de tudo.

E o que mais de bom vier, que o de ruim, espero já ter passado o pior. Chega, não?

Domingão

Todas conversavam na mesa de bar. Tagarelices femininas. Da bolsa entupida de inutilidades ao preço do euro, da casquinhagem inaceitável ao leite em pó infantil. Do novo disco daquele cantor canadense ao preço da diversão. Do gato da mesa ao lado ao dentista do filho. Do salário da babá ao traidor do sétimo andar. Aleatórios diálogos, divertidas conversas, polêmicas inférteis ou tititis de comadres.