Arrancando as ervas daninhas

Meu jardim sempre é propenso a flores.

Desde criança, aprendi a ver a beleza dos lírios do campo. A leitura e as viagens me infundiram a sensibilidade necessária para entender de matizes e multicores, bem como de aromas e veludos ou asperezas. Minha mãe era uma grande jardineira. Cantarolava no sofá: “fica sempre um pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas…”  Seu lirismo pautou nossa vida em beleza.

Lembro que nós tínhamos uma renda portuguesa em xaxim suspensa no meio da sala de mármore que encantava a quem a via. Vira e mexe, a pobrezinha secava sem parar por causa dos olhares desta ou daquela pessoa. Criança sensível que eu sempre fui, do tipo que chora quando alguém fala alto, invocava com estas pessoas e passava a vida dizendo à minha mãe para não mais as receber. Aprendi, então, a me defender observando antes. Ficava quietinha do lado dela, a minha mãe, e, como um cão de guarda, procurava na minha inocência protegê-la desta ou daquela pessoa que matava com o olhar a bela renda portuguesa que eu amava. Assim aprendi a ver os sinais na fala, no corpo e nas atitudes dos invejosos matadores de renda pelo mundo.

Cresci em tamanho, virei mulher, mas a menina que eu sou cada vez brinca mais alto em mim. Por isso piso leve, sorrio a todos e sou feliz. Sinceramente.

É fato que houve aguaceiros no meu jardim de infância: alagaram-me em dores. Sim, dores daquelas que não curam, embora o tempo passe, o tempo passe, o tempo passe, o tempo passe. O cravo-pai e a rosa-mãe se foram e isso não é fácil a quem tanto preza a balbúrdia dos almoços de domingo, o alvoroço das compras gigantescas no supermercado, as gargalhadas das viagens alegres com o carro lotado ou o peso das sacolas com 12 pares de sapato em fim de ano (três para cada menina).

Sem cravo, sem rosa… restou a sacada. E eu saquei a questão: ser feliz porque há primavera, mesmo que o inverno sempre chegue. Sorrir porque é verão, porque depois o outono virá. E conservar, sempre, não o balde, o ancinho, a mangueira… Eles podem ser de ouro ou prata, caros ou baratos, de latão ou plástico. Importa conservar é o espírito das flores em mim, jardineira que posso ser. Sempre que quiser. Embora me levem as ferramentas, tenho ainda as mãos, o olfato e o olhar. E isso basta porque é o que me pertence. Comigo-ninguém-pode.

Se o verão mata as hortênsias, posso admirar as margaridas; se o inverno chega, há sempre os lírios e mesmo que rosa alguma haja, a pérola barroca pode em mim estar. Porque tenho olhos para ver a beleza. Sinestesicamente, posso recordar a flor e sentir o seu aroma. Porque nasci para jardins ou campos floridos e, se é deserto, procuro a flor-de-lis, sorrindo ao me lembrar que o mandacaru também flora.

Há aqueles que nasceram para a secura da alma. Há os que gastam seu tempo e suas energias desejando a água alheia sem perceber que seu caqueiro requer pouca irrigação. Há orquídeas que nunca desabrocham por isso. Se sou lírio, não posso desejar a cor da rosa ou a altivez da gérbera. Se estou cravo, preciso me despir da delicada violeta. Se no meio da mata com raízes me fincaram e a canto algum vou, posso me lembrar de que com forças floro em ipê

A questão é simples: “não se separa o músico da música” (Tagore).

Se daninhas aparecem no jardim, há que se cuidar dele, há que se repensar… talvez aprender a apreciá-las e deixar, trepadeiras que são, parasitas, estender-se em muros de hera. Mas que estes muros não sejam as minhas costas. Ou então, munida de ancinho ou mesmo sujando as mãos, arrancá-las: plantas que cobiçam o nosso espaço.

Se o terreno é seco, a terra não presta para cultivar, insisto não. Sob o céu há mais azuis. E violetas, rosas, amarelos, laranjas, uvas e verde, muito verde possível.  

   

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