Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi cavalos em plena avenida Paralela (importante em Salvador porque une o aeroporto à cidade) carregando homens com bandeiras de candidatos. Os paladinos do rei voltaram? Uns têm ideal partidário, outros esperam os trocados que os fará comprar o pão da sua Dulcinéia e dos seus herdeiros de miséria.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi um homem ao meio-dia de anteontem com uma corda amarrada na cintura. Ele servia de contrapeso a uma bola inflável gigante que voava na avenida Paralela para que todos vissem o nome daquele candidato. O homem era o contrapeso. O peso era a bola da vez. Era meio-dia. O sol queimava os miolos de qualquer nordestino. O homem escolheu um arbusto e se deitou na parca sombra dele. No chão, amarrado pela cintura e a bola no céu a balançar com o vento. Não, eu não quero dizer que vi isso. O homem feito pedra. O homem contrapeso da eleição. O homem que pouco ou nada vale para quem o contratou.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi uma mulher servir de contrapeso também. Ela se deitou no mesmo gramado da mesma avenida sob o mesmo sol. E com uma sombrinha matizada de rosas, protegia a cara – pobre não tem rosto – do astro-rei que a escaldava. Ou será que dos transeuntes que nos carros passavam?
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi uma instituição de ensino convidar seus funcionários e professores para um almoço de confraternização no qual os funcionários receberam a comida após duas horas de palestras políticas para apoiar x, y e z. COMício. Pão e circo. Teve música depois. E o povo sambou.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi a avó da minha amiga pedir-me votos para fulano porque ele é legal: fretou um ônibus, levou as beatas velhinhas para um piquenique e pediu-lhes o apoio e o da sua sagrada família. E “tudinho de graça, foi uma beleza!”. Não, eu não quero dizer isso porque moro na terceira maior capital do país e meu calendário me diz que eu estou no terceiro milênio.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi umas mulheres formadas, pós-graduadas, dizerem que vão votar naquela candidata velhinha só porque ela é uma velhinha. E outros senhores dizerem que vão votar em fulano porque ele é negro. E em cicrano, porque é gay.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém que vi uns homens em que eu acreditava dizerem que vão esculhambar nestas eleições : votar em todos os piores candidatos e naqueles que vão perder.
Não. Eu não quero falar sobre eleição. Eu não quero dizer a ninguém o que vi, mas, meninos e meninas, eu não sou Juca-Pirama, mas vi! E vi tudo que eu não queria mais ver e mais o que eu nem pensava ser possível ainda ver. Eu não estou cega. Eu vi. Por isso eu não quero falar sobre eleição.
então vamos falar de coisas boas, assinsta o filme clique, e alugue o cirme perfeito( mesmo rítmo de xeque mate). é uma dica para “esquecer” toda esta palahaçada de eleições.
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A questão é que eu não acho palhaçada… é bem mais grave a questão, bem mais grave. Acabei de ler que o atual presidente quase reeleito não vai ao debate. Durma com um barulho destes.
É difícil fugir aos artifícios do discurso. Ao dizer e repetir “eu não quero falar de eleição”, não é afinal que está de facto a falar de eleição? Ora, percebendo bem a função do discurso retórico e fingindo que acredito que não “queira” falar de eleição, surge-me outra dificuldade, que é: de que está então vc a falar? Tem de haver alternativas à “eleição”. Quais, para além de alugar filmes, como está a ser proposto?
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Estratégia retórica sim! Porque é preciso falar destas questões. É preciso pensar. E muito. Ver filme norte americano muitas vezes só aumenta a lavagem cerebral neoliberal.
o buraco é bem mais embaixo, não é? pois é…
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Haja! Ô, Mônica, isto me entristece tanto…
perfeito texto. gostei. imagina pessoas contrapeso! caracas!!! bjs