Definitivamente, eu não nasci para o salão

 

Hoje é sábado. Portanto, vou ao salão. Não é assim? Três horas. Destas, uma e meia gasta no vaporzinho e na massagem capilar. Reestruturação. Disseram que era necessário. Antes, chamavam de massagem. Mas reestruturar é mais caro.

Eu queria ficar linda para amenizar a semana que tive e o estresse das espinhas temporãs, retardadas, muito-muito-pós-adolescentes que teimam em invadir as minhas bochechas salientes apesar da idade, do tratamento, do antibiótico e dos trezentos cremes que tenho que passar além do protetor solar..

Unha pintada, sobrancelha depilada, cabelo R-E-E-S-T-R-U-T-U-R-A-D-O e conta vazia. Volto para casa com um sono enorme e um rombo (necessário) (!?) no orçamento. Lancho um sanduíche emergencial e aguardo o lovestory sair do trabalho para fazermos algo no sabadão baiano. Shopping, caranguejo, cinema, lambreta… sei lá.

14h.

– Alô, amor?

– Oi…

– E aí? Vamos à praia?

 _ Não está tarde, não? 

——— ***———- 

Fui.

Meu cabelo reestruturado tomou sol, salitre e vento. Meu cabelo reestruturado tomou cerveja, cheirou a dendê e acarajé com abará. Meu cabelo reestruturado  tomou muito banho de mar às 16 horas no sol morninho de fim de tarde. Mais de 21 mergulhos como manda a superstição.

Meu cabelo ex-reestruturado voltou para casa tarde, desgrenhado, assanhado, desalinhado, amarrado com uma piranha qualquer… mas muito, muito feliz. Acho que o meu cabelo é assim mesmo: livre dos salões e das convenções.

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Em busca dos padrões

Três horas num salão de ‘beleza’ para deixar as unhas, a sobrancelha, os pelinhos ‘indesejáveis’ e as madeixas conforme exige o figurino neste palco que é a vida urbana, sinceramente, são um tempo para mim longo demais…

Aproveito sempre para ler (?!) as futilidades do mundo ‘celebrity’, que, se não fosse a coleção vastíssima de literatura acerca do quem-trepa-com-quem-agora de que dispõe o salão, eu não saberia jamais. São as revistas que me dizem quem está in ou out, quem é bonito e gostoso, bela e perfeita. Há anos minha pobre opinião não conta (será que algum dia contou?).

Enquanto isso, divago olhando as mulheres com uns troços metálicos na cabeça, umas tintas mal cheirosas, as mãos entregues à manicure, os pés suspensos no joelho da pedicure. Sai fumaça de túneis de reestruturação, massagem capilar… entretanto ‘faz bem’ o vapor. E ‘viajo’ descobrindo os loiros naturalmente inventados, as negras ruivas, os cachos ‘japoneses’ forjados e os lisos impossíveis outrora.

Acho graça toda vez que olho as unhas e penso-as como cascos. Imagino a natureza como uma grande fábula e, nas cadeiras que transformam, projeto as velhas tartarugas a pintá-las de rosa, renda, misturinha ou rebu; os dinossauros fazendo as cutículas; os símios depilados apesar de muitos ais; os cogumelos orgulhosos a escovar o cabelo de capacete…

Juro, juro que é nestas coisas que eu penso quando vou ao salão.

O último dia de férias

O quê? Já? Como assim?

E eu nem percebi o tempo passar… Agora tem labuta, tem batente, tem trabalho. Reunião para reunir, reunião para comunicar, reunião para decidir, reunião para trabalhar… Reuniões e mais reuniões. E o condomínio ainda resolve fazer reunião também na sexta à noite!

Segunda: horário para acordar, sala de aula, contagem do tempo: a cada 100 minutos, 60 rostos novos ( sim, as salas de aula estão lotadas. Educação para as massas – literalmente). Agenda repleta de obrigações. Papéis, livros, canetas, lápis, borrachas. Chamada. Salas lotadas, iluminação artificial, ar condicionado beirando o Ártico. Depois provas, e-mails, trabalhos…

Socorro.

Mas eu gosto.

Sobre mentiras

                                      

Mentiras atordoam.

Quem mente cria um espaço e um tempo para viver algo que julga não poder viver falando a verdade. É uma narrativa capciosa que busca enredar o outro, testar a própria capacidade de sedução e faz, por instantes, aquele que mente se sentir onipotente. É um teatro em que se representam vários personagens, partes do que é o ser humano. Talvez os heterônimos que coabitam em nós.

Como valores são relativos, existe um termômetro de aceitação das mentiras. Dentre as tantas com que convivemos, abominamos algumas, ignoramos outras e aceitamos tantas mais. Aceitamos muitas vezes a mentira para nos autopreservar, para preservar o outro. Abominamos quando nos ferem, especialmente no quesito confiança.

Existem relações nas quais mentiras não cabem, ou melhor, existem mentiras absolutamente desnecessárias  e extremamente prejudiciais ao cotidiano de amigos ou de duas pessoas que se amam. O impacto da descoberta de uma mentira é, muitas vezes, avassalador, como o raio com que Deus destruiu Babel.

O casal que constrói a relação pautada em argamassa de papéis representados, que ferem a própria essência, constrói uma Babel de mil línguas com as quais não se entende nem se comunica. A desconfiança, o ciúme, o desafeto, o jogo de culpas os conduzem à destruição do sentimento. O sexo falha, a ternura fica maculada, o amor se gasta. Muitas vezes, acaba. 

Ninguém no mundo está isento dos efeitos ou da necessidade da mentira. Aquele que escuta a mentira está também construindo a sua torre de ilusões.  Aprisionado fica até que a verdade o liberte.

A imaginação fértil e o potencial ilusório, ficcional, do ser humano facilitam as mentiras; é muito mais difícil falar a verdade. Autoconfiança é o requisito essencial para a verdade. O mentiroso cativa porque encanta em ilusões, mas, essencialmente, porque prende o outro e a si mesmo em uma imagem irreal de si. Dificilmente faz laços, dificilmente se entrega.

Sobre o inocente sorriso da figura de Pinóquio, cresce o nariz do personagem, símbolo da mentira. É rica a metáfora. O boneco é punido através do espelhamento físico do vício que projeta uma conseqüência para suas atitudes e palavras. O nariz que cresce aponta ao mundo aquele que mente. A inocente, pueril e risonha aparência do boneco nos conduz a crer nele, a minimizar os efeitos da mentira. O castigo do mundo das fadas faz com que a sua aparência se modifique. Na vida como ela é, a imagem que temos do outro também sofre: após a descoberta da mentira, o exdrúxulo do nariz da ficção que deforma o rosto do brinquedo equivale à deformação da imagem do outro para nós.

O ressentimento dói, machuca, fere. Ao mentir ou falar a verdade, precisamos ter clareza de seus efeitos. Existem limites para nos relacionarmos com o outro. Como lembra Freud, a vida mental é contínua, nada ocorre ao acaso e os nossos pensamentos, sentimentos, as nossas atitudes ocorrem porque existem motivos.  A interação entre o consciente e o inconsciente conduz aos eventos mentais, a partir da influência de fatos que o precedem. Há sempre elos ocultos entre os eventos conscientes.

A despeito de qualquer coisa, todo ato nosso provoca sempre perdas e ganhos. Precisamos fazer o balanço, verificar conscientemente os benefícios e os prejuízos a que nos estamos conduzindo.

Assumir as conseqüências, se eu não me engano, é uma questão de caráter.

E é a vida

Previsão

Premonição

Estratégia

Reflexão

Planos

Projetos

Sonhos

Tentativa de manipulação.

Não, a vida não está na palma da mão.

                        Além da esquina, há o que não sabemos.

Sem que se espere, cratera, tsunami, tempestade, furacão.

Os ventos alísios alisam os sonhos,

embalam o homem,

adormecem a mulher.

A vida é mais que sol e chuva fresca.

Herança

                                                   

Quando eu era pequenina, lembro que fui à Fonte Nova protegida por um gigante. Lembro a arquibancada suja, a camisa suada que ele tirou e com a qual forrou o chão para que eu me sentasse. Era a sua princesa.

Era apenas uma garotinha (quem sabe ainda sou?) e dormi no seu colo. O time fez gol e foi inevitável acordar assustada para depois pular de alegria com o estádio inteiro gritando: goooooooooollllllllllll!!!! Ele me jogou para o alto! Eu vestia a camiseta tricolor, bem pequenininha. Meu pai usava um chapéu guarda-sol esquisito das cores do time.

Eu aprendi a cantar o hino e a ser Baêa, Baêa, Baêa!!! Lembro que a gente ia passear todo domingo à tarde por Salvador. Da Ribeira ao Abaeté. Era uma maravilha: pai, mãe e filhas. Três pirulitas no carro, brincando e rindo. O problema era a chatice de quando começava o jogo. Ele não fazia objeção a passearmos, mas tínhamos que vadiar pela cidade com o toca-fitas na freqüência AM e os narradores naquele abaranarababororrorarnooodetrrammpijjuouorerar e… é gooooooooooooooooooooooool!

O martírio só acabava depois de duas horas. E se o time perdesse… sai de baixo mau humor! Voltávamos para casa. Eu rezava para nunca ter jogo só para não ter que ouvir no carro aqueles malucos que falavam tão rápido. E aprendi a pedir para voltar mais cedo para casa, assim eu ia ver a Porta da Esperança de Silvio Santos enquanto ele ficava lá, colado no radinho, esperando o time vencer.

Hoje foi diferente. Peguei meu radinho de pilhas (sim, eu tenho um há 17 anos que ainda funciona!), liguei-o junto ao pc e fiquei minhas duas horas aqui, ansiosa, esperando o time jogar.

E pulei, gritei sozinha gooooooooooooooool duas vezes. Liguei para minha avó, a mãe dele, e ficamos juntas torcendo pelo Bahia em homenagem ao meu pai que se foi.

É um amor tão grande que simplesmente me encheu de ternura.