ACM

” O tempo leva por diante todas as coisas”

Machiavelli 

 

Antônio Carlos Magalhães morreu. Morte anunciada e esperada. Não me assombrou nem me desesperou nem assustou. A lei da vida é imperativa. A morte chega, até para ele, persona não acostumada a perder.

As palavras perda e ACM não rimam, não combinam, mal dialogam. Hoje a Bahia veste o seu luto e, embora haja um misto de alegria e alívio para os que não o admiravam nem suportavam ou toleravam, é inegável que esta foi, sim, uma morte significativa. O atual governador da Bahia, eleito neste final de mandato e de vida de ACM num prenúncio de que o ‘império’ e a hegemonia dele, ACM, chegavam ao fim, assim como sua vida, disse que haverá uma página na História da Bahia para tratar de ACM. Wagner foi modesto e econômico: uma página é pouco. Nos meus trinta e um anos de vida, pude politicamente perceber os efeitos do carlismo no meu estado e posso assegurar que ACM não é uma página apenas da história da Bahia, mas um livro inteiro, talvez mais de um volume.

” Os homens devem ser mimados ou exterminados, pois se se vingam de ofensas leves, das graves já não podem fazê-lo. Assim, a injúria que se faz deve ser tal, que não se tema a vingança.”

Machiavelli 

Seus mandos e desmandos afetaram a nossa sociedade, a nossa cultura, a nossa economia, a nossa comunicação, a vida na Bahia. “Cabeça branca” era amado ou temido ou odiado, não havia “tanto faz” ao se falar dele. Legou avanços significativos ao nosso estado, especialmente à capital, Salvador, a menina de seus olhos. O interior nem sempre foi lembrado e há muitas cidades esquecidas na nossa geografia que não evoluíram em quase todos os aspectos – de saneamento à saúde ou educação. Mas todo e qualquer dado depreciativo sobre seu governo foi maquiado na imprensa que a ele servia.

Foi mestre em propaganda política, em despertar o amor do povo, este mesmo povo de quem ele tanto precisava para se eleger. Elegeu quem quis aqui na Bahia durante quase todo o período da história. Lançava nomes desconhecidos até então e, em tempo recorde, olha o fulano ou sicrano, ilustre desconhecido, governando a cidade ou o estado.

 

“Quod nihil illi deerat ad regnandum praeter regnum (Que não lhe faltava para ser rei senão um reino)”

Machiavelli 

 

A Bahia, indubitavelmente, foi o seu reino. Por vezes inúmeras, a extensão de seu poder alcançou o cenário nacional. Sua influência foi notória. E Brasília sabe disso. Ouvir sua retórica era admirável e as réplicas que fazia, coisa de mestre. Soube perder todas as batalhas e embates políticos e aqui, nesta ’sua’ Bahia, não pareceu ao povo que tivesse perdido luta alguma, porque nunca o viram senão de cabeça erguida. A imagem inabalável de um rei, como ensinou Machiavelli.

 

“Nada faz estimar tanto um príncipe como os grandes empreendimentos e o dar de si raros exemplos”.

Machiavelli 

 

ACM soube disso. Viabilizou obras faraônicas na Bahia: quando ministro, as telecomunicações por aqui eram avançadíssimas, a telefonia de ponta da época estava em nosso estado; idealizou o novo Centro Administrativo de Salvador, reformou o aeroporto, inaugurou centenas de obras e ‘reinaugurou’ tantas outras, dando às construções de outros governos a nova roupagem que interessava. 

 ACM não passou em branco pela vida. Na Itália, achei num trem que ia de Veneza para Roma uma revista esquecida. Ao folheá-la, deparei-me com uma entrevista que apresentava o singular ‘dono da Bahia’ aos povos do outro hemisfério.

Toinho Malvadeza para os que, conscientes do seu poder ’sem limites’ e de suas manobras políticas, não o aplaudiam. Cabeça branca como metonímia e referência (ou reverência?). ACM, sigla clichê nos diálogos da Bahia e do Brasil. “Rouba, mas faz”, slogan que, surpreendentemente, não era uma depreciação, mas um incentivo a que se continuasse votando nele ou nos seus corregilionários.

 

“É necessário a um príncipe que o povo lhe vote amizade; do contrário, fracassará nas adversidades”

Machiavelli 

Mais ou menos quando eu tinha 18 anos, resolvi ingressar na vida política e resolvi conhecer ACM da forma mais simples: como povo. Fui a um comício realizado numa favela de Brotas. Embora consciente de grande parte de sua trajetória, não pude deixar de chorar ao sentir a emoção da massa alucinada que parecia estar diante de um ídolo. É porque emoção vem em ondas e nos atinge desavisados que estamos. Neste dia, ganhei uma rosa dele. Uma mulher enlouquecida a tomou de minha  mão. Ele viu. Beijou outra rosa, piscou o olho e pediu a um dos seguranças que descesse do palanque e ma entregasse em mãos. Assim eu conheci a sua força no meio do povo. Confesso que fiquei impressionada com a figura forte deste homem que distribuía rosas, guardando os espinhos para o momento oportuno.

 

“Assim, é necessário a um príncipe, para poder se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade.”O desejo de conquistar é coisa verdadeiramente natural e ordinária e os homens que podem fazê-lo serão sempre louvados e não censurados.”

Machiavelli

Tirano, déspota, salvador da pátria, herói (o povo se divide). Não o aplaudo, mas tiro o chapéu por saber o quanto ele foi FORTE, o quanto a sua força política afetou o estado, a política. Li Machiavelli, curiosa, quando descobri que era seu livro preferido. A leitura me impulsionou na vida. Aprendi estratégia e plano de vitória epude ver o quanto o prefeito-governador-senador-ministro-todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães sabia aplicar as premissas de O Príncipe.

ACM ou Antônio Carlos Magalhães foi uma personalidade ímpar. Isso não há como negar. E nem que a Bahia viverá, a partir de sua morte,  um novo tempo. Melhor ou pior só o futuro dirá.

“O desejo de conquistar é coisa verdadeiramente natural e ordinária e os homens que podem fazê-lo serão sempre louvados e não censurados.”

Machiavelli

Serão?

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Fonte da imagem: doisdedosdeprosa.wordpress.com

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9 comentários sobre “ACM

  1. Alena, como sempre, suas palavras sao de uma sensibilidade maravilhosa. Eu também nao o aplaudo, mas concordo que foi uma personalidade singular e figura politica importante para a bahia e para o Brasil.
    Sem enaltecer o que/quem nao agrada, voce foi muito feliz nos comentarios. (Desculpe a ausencia dos acentos em algumas palavras, o meu teclado nao tem configuraçao em portugues! rs)
    Bjs

  2. Alena,
    Muito bem idealizado e escrito. Tenho pensado muito na força dos homens políticos, na maneira apaixonada como são defendidos. Ainda essa semana insinuei em meu blog a culpa que o governo me parecia ter pelo acidente aéreo. Pude ver o quão emocionais foram os debates. O quanto algumas pessoas são pouco racionais quando defendem seus ídolos. ACM foi um deles. Não interessa analisar se foi bom ou mal. Foi muito importante.
    Tenho uma brincadeira lá no Lord. Convidei você a participar. Não se assuste, é coisa simples.
    Beijão

  3. Alena,
    não sou baiana mas sempre admirei ACM.Pela sua determinação, coragem para enfrentar seus adversários. Mas algo precisa ser dito: o amor pelo seu estado, pelo seu povo contagiou a todos.
    gostei do seu texto,
    abraços…

  4. Sendo baiana eu posso dizer que ACM foi mto importante e vai ser um ícone corriqueiro dos livros didáticos de história. Agora, como estudante de História, posso dizer que há mta controvérsia em seu período de poder. Basta passear um pouquinho pela Bahia, em seu interior, para ver que tudo foi feito e conquistado por ele em prol de seu próprio sucesso. Roubou, mas fez, porém tinha que ter feito mto mais por esse povo que o venera. Sim, pq ainda como um ícone histórico, ele ainda vai ser mto venerado. Gostei mto do seu blog. Visite o meu tbm.

  5. Pingback: O dia do saco preto « A vida em palavras

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