Livros felizes

A Lulu polemizou e desabafou a queixa de seus alunos: eles estão cansados de livros tristes. E têm razão. Respondi ao seu post lá no blog dela e resolvi copiar aqui.

O polêmico e, às vezes (leia-se quase sempre), disparatado Diogo Mainardi escreveu um dos melhores textos que li sobre literatura na escola: Os clássicos no chinelo. Ele acusa as escolas de entregar aos adolescentes cheios de espinhas os grandes livros antes do tempo e conseguir fazer com que eles odeiem literatura. E tem razão. Eu sempre comento isso com meus alunos. E, por isso e por causa da idade deles, eu escolho livros felizes para ler em sala. E falo dos porquês de ler um clássico.

A coisa é meio assim: seduzo pela delícia, depois mostro os dramas do mundo. Emociono, faço chorar ou arrepiar. Porque ler é um ato HUMANO. Demasiadamente humano. Como o Lord falou, alguns clássicos são para ser lidos na fase adulta, os pais dele tinham razão quando o ‘proibíram’ de ler Graciliano Ramos (o avô) antes do tempo .
Os adolescentes geralmente são felizes e eu comecei a ensinar cedo (com 17 anos, época em que eu era muito feliz) e percebi esta angústia deles há 15 anos, porque era a minha também. Eu, simplesmente, odiava a Clarice e todos os seus problemas de mulher de 40. Achava-a mal amada. Torcia o nariz. Na época.

As mensagens de esperança eram muito mais interessantes naquela idade, face ao mundo já caótico que eu começava a perceber, como Pollyana, O menino do dedo verde ou mesmo o amor triste, mas lindo de morrer do Portuga e de Zezé em Meu pé de laranja-lima. Sabe que eu não fui do tempo do Vicente Celestino, não o ouvira jamais, não conhecia sua voz, sua obra, mas , muitos anos depois, estava no interior da Bahia e ouvi uma radiola cantando numa casa e, imediatamente, eu soube que era o Vicente? E amei aquela música toda porque eu já a amava há muito pelas letras de Vasconcelos e pelos ouvidos de Zezé.
Um grande (grande em todos os sentidos) livro feliz é O sítio do pica-pau amarelo.
Sempre fui a Emília – até hoje – que faz-de-conta que quando as coisas não são exatamente como eu quero. Eu posso!

Escolho contos felizes. De amor, de amizade, de esperança, de beleza, de aventura, de mistério. Polissêmicos. Trato do superficial e depois entro nas entrelinhas com eles. Geralmente, eles se entusiasmam. E as provas sempre têm que ser com textos lindos de morrer, tipo Menino de ilha de Vinícius.

Outra coisa: literatura é fruição, é prazer e , na adolescência, não se sente prazer com a leitura que objetiva responder a uma prova. Me poupem, professores! Literatura não é assunto de prova, é formação, é fruição, é arte. E perguntar o que Michelangêlo quis dizer com a Pietá é matar a contemplação e as lágrimas que podem surgir ao admirá-la. Pelos livros ou ao vivo em Roma. Ler Machado de Assis para responder a questões de abecêdêé é o fim.

Acabei de derreter todinha ontem  ao ler O conto da ilha desconhecida de Saramago. E é um conto muito lindo. E meus alunos todos, cerca de uns 200, vão ler também. Porque eu o amei.

Adoro Felicidade Clandestina na sala de aula. Do ‘bulling’ ou da crueldade ao amante…
A biblioteca verde de Drummond é um sonho de poema e de amor pela leitura.
A ilha perdida é uma aventura deliciosa para esta idade. Dois amigos e um chato é uma coisa de maravilha de fazer amar a leitura que Stanislaw Ponte Preta inventou. Trabalho Ziraldo em qualquer série, até na faculdade, e Ziraldo é um maluquinho feliz.

Os adolescentes daqui amaram Crônica de uma namorada de Zélia Gattai. Isso ninguém me tira é uma livrinho legal para começar a gostar de ler. Dandara de Janaína Amado é de um erotismo picante para a 8a . Dias Gomes é sensacional em O pagador de Promessas. Adoro os autos de Gil Vicente na sala também. Cinco minutos é levinho… de Alencar. Calvino é fenomenal. O cavaleiro inexistente : muitas palmas aqui!!! Um livro maluco, divertido, inverossímil e completamente humano: os três personagens (Gurdulu, Agilulfo e Rambaldo) são as projeções de um eu tripartido. Impossível porque imperfeito ao extremo. Impossível porque perfeito em demasia. Existente porque humano com as projeções de perfeições e a realidade de imperfeições que nos torna o que somos. Um pouco Agilulfo, um pouco Gurdulu e, certamente, Rambaldo. Ou Bradamante.

Quando eu era adolescente, li a coleção da ática inteirinha e Monteiro Lobato também.

O nosso amor pelos livros acaba contagiando os alunos, mas realmente, crianças e adolescentes não merecem ainda ser moídos pelas mazelas humanas que algumas obras tratam com propriedade indiscutível para nós, adultos. Deixa que o tempo deles da desilusão chegará.  Eles ainda querem ser felizes para sempre. Ainda bem. E, se lerem os livros certos, poderão, quando a vida os massacrar, fechar os olhinhos e apertá-los bastante, fazendo de conta que… ainda vale a pena viver.

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Terminei de ler…

O conto da ilha desconhecida e já o inseri no meu cronograma de aulas e já o enviei aos meus amigos leitores. Saramago, simplesmente, sabe o segredo. Nestes dias, quando eu termino de ler um escrito seu, tenho, simplesmente, a vontade de me sentar em Lanzarote com ele, na varanda, a vê-lo com os seus cachorros e a esperar que o mestre me diga qualquer palavra – após os minutos de um silêncio imperativo e essencial enquanto esperamos juntos que Pilar nos traga o chá.

Constatações

Número 1: eu preciso descansar.

Número 2: eu preciso viajar.

Número 3: eu preciso fotografar.

Número 4: eu preciso ouvir minha voz, meu suspiro, meu sonho, meu anseio.

Número 5: eu preciso preencher o que falta. E é pouco. Agora.

Universo feminino?

No meu aniversário, ganhei alguns livros muito legais dos amigos. Um deles foi o da blogueira Tati Bernardi :

Li no sábado após a festa, rapidinho. Fiquei com um mau humor incrível e cheia de vontade de descascar o meu namorado. Adorei algumas crônicas, outras nem tanto. Gostei de rever o estilo franco que a vida de mesuras romanescas imprescindíveis à sobrevivência de qualquer relação ‘normal’ me fez atirar nas entrelinhas de mim mesma e afogar no riso pecaminoso dos encontros com as amigas.

O outro livro foi a menina que roubava livros de Marcos Zusak (Sidney, Austrália). Achei o título genial e não passei incólume por ele. Gastei meus 39,90 reais e vim para casa feliz, carregando o livro, Liesel Meminger e a sua história com a morte. Três dias depois, uma facada: a Saraiva me mandou um e-mail anunciando a fantástica compra da obra por R$22,90 (quase tive um infarto). Mas vamos lá: não se ganha sempre.

A passagem mais tocante para mim de a menina  que roubava livros foi a  seguinte:

“Uma pequena definição não encontrada no dicionário

Não ir embora: ato de confiança e amor, comumente decifrado pelas crianças.” (p. 37)

A estratégia narrativa é maravilhosa e o título genial. A morte é a narradora. Parabenizo o autor pela idéia, mas… não sei se foi questão de tradução ou de adaptação para a nossa língua ou se a história deixou mesmo a  desejar. Não mudei nada após ler o livro, senti que foi entretenimento apenas. E olhe que eu reservei para ele uma tarde fria de sábado ( a capa é a morte andando na neve) na qual eu devorei 405 de suas 495 páginas.

A narrativa na voz da morte é piegas em diversos trechos da história doce de uma menina pobre adotada por uma família um pouco menos miserável que a sua mãe – que desaparece. Liesel viveu na Alemanha da Segunda Grande Guerra e viu os horrores do nazismo do alto de seus olhos inocentes e feridos pela perseguição aos judeus, pela ida de seus novos parentes à guerra e pela morte (claro) de muitos dos seus conviventes. O romance, apesar de tudo, não convence. O ponto de vista narrativo da morte enfraquece e torna um fio tênue a ligação do leitor com a personagem. Não conseguiu atingir a força das emoções de Liesel, há um distanciamento que nos faz sentir apenas meros espectadores de um filme que se passa lááááááá na tela da tv, com todo o metro entre o aparelho e o sofá atestando que não foi conosco, aquela sensação de ah, tá, e daí?

É uma pena. A idéia foi instigadora.