O dia foi hoje. A idéia foi da tia atriz. O avô achou maluquice. A mãe topou na hora. Arriscou para ver como seria a estréia de Alice no teatro. Como espectadora, entendam.
Começou a dúvida a caminho: eu quase desisto de sozinha levar a baby mais sacola e bolsa. A babá já viajara para a sua semana santa. Mas me lembrei bem de quem eu sempre fui: apertei os cintos do bebê conforto e torci para ela não chorar muito até lá além de o trânsito também colaborar conosco.
Ela não chorou.
Encontramos a tia logo no estacionamento e fomos direto ao camarim, saber da notícia de que algumas crianças tinham chorado na véspera ao ver o coelho. Pensei com os meus botões: se ela chorar, dou peito para acalmar ou saio de mansinho se não resolver. Paciência. Meio apavorada, meio confiante no meu taquinho de gente, avisei que qualquer coisa me perdoassem e que eu sairia estrategicamente pela esquerda se necessário.
Pense então em Pandora diante da caixa mágica…
foi Alice.
Enquanto os atores se maquiavam no camarim, ela sorria alegre, balançava os bracinhos, sacudia as perninhas e olhava todas as coisas: os espelhos, as luzes, as maquiagens, os atores e uma bandeja de pães (com cara de pidona – obrigando a mãe a disfarçar e levá-la ao outro lado, lógico). Pois Alice adorou o tal do coelho. Olhava tão curiosa para ele, que ríamos sem parar. Ela parecia então a estrela maior. (E era.)
Desci para guardar o lugar não sem mudar pelo menos umas cinco vezes até que retornei ao primeiro que me fora reservado: na primeira fila. Enquanto o teatro se enchia de crianças de escolinhas, ela observava hiper atenta toda a movimentação. O que eram as cadeiras, as filas, as professoras, as crianças de mãos dadas, os gritinhos desta ou daquela, os risos. Na telona, rolava um filme para aquietar a garotada. Mas Alice não lhe deu muita bola e eu cheguei a suar frio, temerosa de um escândalo com lágrimas por causa de um som mais alto ou tenso, de uma gritaria infantil qualquer ou mesmo do apagar das luzes.
Ela resolveu, ao toque do primeiro sinal, dar sinais de impaciência e reclamou daquele jeito chatinho que só os bebês conseguem. Comecei a ficar mais apreensiva. Numa ginástica em que só as mães são bem sucedidas, abri o fecho da sacola com Alice no meu colo, peguei a mamadeira, a garrafa de água e a lata de leite. Com uma mão apenas funcionando, destampei a mamadeira com cuidado para tudo não cair no chão, enquanto ela se sacudia e escalava meu colo para subir de pé e olhar a sala de espetáculos, coloquei a tampa da mamadeira virada de cabeça para cima em minhas pernas – a esta altura ela já queria pegar tudo que estava em minha mão , abri a garrafa de água, despejei na mamadeira, fechei de novo – e ela escalando, guardei a água, peguei a lata de leite, medi as benditas sete colheres (quem mandou eu esquecer o porta-leite-com-medida exata?), fechei com muito cuidado a mamadeira enquanto ela já gritava ao ver seu lanche. Sacudi forte para misturar ao som do segundo sinal.
Ela deitou e aquietou, rezei para ela dormir se não fosse ficar legal e imaginei umas trinta vezes onde era que minha cabeça estava para levar um bebê de sete meses ao teatro.
Pois soou o terceiro sinal e Alice olhou atenta a movimentação dos personagens que desciam coloridos por entre as filas de cadeiras abarrotadas de meninos e meninas.
-
-
ô, coelho, vira aí que eu fotografo com uma mão e um bebê na outra…
-
-
O início da peça
-
-
-
-
-
-
A danadinha acompanhou a peça atenta, riu e demonstrou a maior atenção. Gostou. Quando o som ficava forte ou as luzes se apagavam, eu a abraçava mais pertinho. E se a platéia gritava com o coelho “É tarde, é tarde, é tarde!”, ela, como num jogo de tênis, revezava o olhar entre o palco e as cadeiras atrás de si, muito curiosa com o que acontecia.
No meio da peça, mais ou menos, Alice deu para me olhar e gargalhar, como quem diz “Tá vendo, mamãe?”, “que coisa maluca!”, “Que coisa engraçada!”, “estou me divertindo” e sorria, sorria, sorria. Com seus sete meses de vida, uma bebezinha ainda, ria de dar gritinhos e gargalhava de encantamento. Nesta hora, eu caí no poço de emoção e as lágrimas simplesmente me lavaram o rosto e a alma. Orgulhosa de minha filha e da
relação gostosa que ali se celebrava entre nós, chorei como só mesmo uma mãe pode chorar. E me lembrei também das tantas vezes em que minha mãe me levara ao teatro.
Se a música ficava tensa e muito alta, ela recostava leve a cabecinha em meu ombro como quem tinha a certeza de que a mamãe estava ali. Mas o clímax ainda estava por vir. Por segundos, os personagens se calaram no palco. Acho que Alice entendeu que era a hora então de ela falar: com os bracinhos em largos gestos italianos, sacudindo-os afoita, a minha filha no idioma dos bebês palestrou um pouquinho, interagindo com a trupe em alto e bom som. E foi o sucesso porque os atores e o teatro inteiro ouviram-na maravilhados. Olhavam para ela e sorriam.
Quem herda não furta, diriam. Ao que parece, não só na minha veia corre o amor pela arte. A pequena Alice deu um show hoje. A peça foi O tesouro mágico, de Xanda Fontes (a titia querida), encenada no Teatro Jorge Amado às 14 horas.

É lógico que depois da sessão teve mais camarim, com direito a muito colo e abraços coloridos. A festa foi de Alice. Foi por isso que eu não deixei de dar umas beliscadas roubadinhas em um pãozinho para alegrar a barriguinha da minha estrela: e a mocinha ainda mastigou com seus dois dentinhos de boca fechada. Pode?
Voltamos exaustas às 17. De novo, ela não chorou no carro. Estávamos muito felizes para isso. Cúmplices e felizes demais.