Tenho a mente inquieta. Morosidades me enfadam. Conversa lenta, gente lenta, qualquer coisa que não flua. Tipo fila. Então derivo. Meu pensamento me leva a outras dimensões. Daí que em toda vez que eu faço compras, enquanto aguardo a famigerada hora de ficar mais pobre na carteira, fico analisando as compras dos outros nos carrinhos. E aí, minha cabeça começa a coser histórias.
Olho a cara, o perfil de empáfia da senhora ou as olheiras da mulher de 30 que denunciam um filho ainda pequeno em casa ou mesmo o jovem casal ou o trio de adolescentes tagarelas… e fico a tecer a vida de cada um. É uma profusão de hipóteses.
Um carrinho cheio de água mineral, queijo francês, cerveja importada, brócolis e rúcula nos leva a personagens e enredos diferentes de outro com biscoitos recheados, danoninhos, cheetos e coca-cola. Há quem compre uma unidade de cada coisa, mais produtos de limpeza que comida… mora só e não come em casa. Ou quem leve 24 cervejas numa compra rotineira… sinal de barriga grande ou festa sempre, vai ver tem varanda em casa e lirismo na alma…
Acho graça dos que compram muito frango ou que se entopem de sucos de caixinhas (aquela coisa doce e insuportável). O tamanho da família? É fácil: basta contar os rolos de papel higiênico que a pessoa leva. Pacotes com quatro, seis, oito, doze ou dezesseis… e ninguém discorde porque acho bem pouco provável que haja gente sozinha estocando papel higiênico para o fim do mundo.
Mulheres jovens compram absorventes, descoladas levam o interno e os homens, de vez em quando, pegam aquelas meias que ficam nas gôndolas perto dos caixas. Acho legal homem que compra fruta e verdura, me dá uma sensação de gente boa, de pai ou marido legal, tipo de homem com quem eu aceitaria uma união (estável, por favor, que de instável já basta !).
Jovens em turma compram menthos e juntam as moedas para as caixinhas de tic tac que salvarão seus hálitos nas jornadas de beijos que a semana promete. Meninas envergonhadas colocam 32 coisas numa cesta só para esconder o pacote de absorventes que tiram rápido na sua vez e embalam de modo mais ninja ainda após pagarem, largando as 31 coisas para trás…
Crianças enchem o saco dos pais e conseguem os doces e chocolates que querem, tomam um toddynho, um iogurte, um refrigerante ou suco de caixinha e ainda abrem o pacote de biscoito e o de salgadinhos para, lambuzadas e sujas, sorrirem com a expressão de vitória que só os tiranos e elas sabem bem fazer. Típica casa em que os pais trabalham demais.
E a vida se desdobra em cada carrinho ou nas modestas cestas: é prenúncio de festinha se se compram 12 latas de leite condensado; são sinal de almoço em família ou solidão absoluta os potes de sorvete derretendo na exaustiva fila, por cima de um carrinho abarrotado de compras ou junto a meia dúzia de itens.
É possível ver o strogonoff – se há creme de leite e peito de frango, de adivinhar a feijoada quando há dois quilos de feijão preto e carne suficiente ou sentir o cheiro imaginário do churrasco se o senhor compra picanha, calabresa e cupim.
Gosto de pensar em jovens casais que têm janelas – quando os vejo comprando vasinhos de flores e no marido previdente, que leva lanterna e pilhas, possivelmente vulnerável por causa do último apagão.
Vejo o carrinho cheio de caldo knorr, extrato de tomate e óleo de soja e imagino a empregada fazendo gordices ao modo tradicional. Ao lado, uma senhora fininha com salmão e alcaparras e o legítimo azeite extra virgem, pensando numa saúde que quer ter e , provavelmente, descendo todos os dias para a academia a fim de manter a forma e a vida por mais tempo.
Lá vem o Omo e penso na força do marketing que leva as famílias a crerem que apenas o sabão que , na verdade, mancha e desbota , dá ‘o branco que a sua família merece’. Gosto de quem compra amaciante porque sugere que gosta mais de si e dos seus, com roupas fofinhas e cheirosas. E quando vejo no carrinho uma vassoura, sempre penso no estado lastimável a que a velha chegou para que fosse trocada. Se for vermelha, penso logo que a bruxa pode voar nas horas vagas.
E, então, chega a minha hora de pagar, perco o devaneio e , ansiosa, espero para ver quanto me restará após pagar tudo que julguei necessário, útil ou que me faria feliz. Por um tempo.
Mês: setembro 2013
Na moral… dia do sexo?!?!
Na moral… ontem foi ‘dia do irmão’ … e eu aqui p da vida com a besteirada maluca do comércio, que fica inventando dia da madrinha, dia do padrinho, dia da amante, dia do amigo etc e tal até chegar no dia do seu jabuti de estimação ou no dia da vaca leiteira da Nestlè… mas as mensagens fofas que muita gente de bem estava mandando para os ditos cujos me impediram de escrever qualquer crítica. Aí abro o face e vejo que seis de setembro é dia do SEXO.
Ownnnn, na moral… meeeeesmo! Como se diz no popular, o dia é todo dia… Mas, se inventaram a data, eu fico aqui pensando quantos Mister Pênis e quantas Miss Vaginas serão presenteadas hoje. Isso é estratégia de marketing para sex shop vender mais?
Como diz o bordão do gaiato do bode: “Armaria, mainha, nãmmmmm!”
Feminismos
Beleza. Estética.
Corpo. Cabelo. Bunda.
Perna. Depilação. Seios.
Ácido retinóico.
Nutricionista. Cardiologista. Dermatologista.
Academia. Musculação. Aeróbico. Força. De. Vontade.
Cabelos. Cremes. Massagens.
Espelho.
Banho. Cuidados. Pele.
Loja. Lingerie. Sapato alto.
A lida feminina.
Exigências ou aderências?
Imposição. Bem estar.
Autoestima.
Mimos.
Alegria.
Leveza.
Mas chegam as 18 horas e minha cara de pau tem vontade de perguntar à doutora se abará tem índice glicêmico baixo…
O poder secreto da lingerie nova
Ninguém a vê sob a roupa – ainda que deixe aquelas marquinhas óbvias. Ninguém sabe que é nova nem que é bonita nem se foi cara ou barata, paga à vista ou em cinco ou em dez prestações. Não se sabe se é verde cana ou pretinha, de oncinha ou rosa choque, quiçá carmim. Se tem renda… Ninguém sabe se é branquinha e sensual ou amarela em contraste com a pele.
Mas a mulher que a comprou a veste como se fosse um ritual, no pós banho, com cheirinhos de vida nova, e sente, à medida que a pele é envolvida, um empoderamento mágico, uma força mística que lhe deixa com a espinha ereta, um sorriso nos lábios e um leve arqueamento dos ombros para frente. Ela pisa forte, segura, senhora de si e do mundo e anda como se desfilasse. No seu corpo, podem ir a calça jeans surrada, a blusa sem graça de algodão, o vestidinho leve ou o longo respeitoso, o moletom ou a malha da academia, a camisa de mangas compridas ou o casaco pesado de inverno. Não importa. Ela caminha como se usasse uma roupa invisível e , sobre nuvens, a passos macios, sente toda a sua sensualidade.