Enquanto eu não tinha filho, não me preocupava muito com o futuro (o a longo prazo). Era mais imediatista como cabia à minha juventude talvez. Era mais tensa mesmo com o daqui a pouco ou daqui a um ano. Sempre achei que tinha todo tempo do mundo como cantava a Legião.
Hoje com Alice me sinto diferente e a cada fato que acontece me pego muitas vezes horas e, às vezes, dias, imersa em reflexões sobre o impacto que a educação dela terá sobre a sua pessoa (sabendo eu que tentamos acertar, mas não podemos assegurar vitória absoluta do que projetamos porque o outro é o outro). Vivo pensando no impacto que a minha forma de ver o mundo causa nela, no tom que verdadeiramente reverbera, nos ecos que ficarão… E, PRINCIPALMENTE, penso no que ensino sem saber que estou ensinando, no ‘currículo oculto’, na força do exemplo, da minha forma de agir que nem sempre é exatamente afinada com o que idealizo ou proponho nem o modelo ideal que almejamos.
Quando fui vendo a derrota da seleção de futebol acontecendo e de forma tão realmente humilhante, me senti perdida no misto de meus próprios sentimentos e na necessidade urgente que eu tinha de traduzir aquela perda para ela, minha filha. O que dizer? Como agir?
Ela me viu triste, pensativa, chateada e me perguntou porquês o tempo todo. Não sei se soube responder como deveria. E ainda estou no meio do turbilhão.
A certeza que tenho é que sou de uma geração que riu de si mesma, que riu do outro, que riu do país e que teve uma autoestima enquanto povo muito fraquinha. Exceto no futebol. Por isso jamais aceita perder uma partida, empatar ou mesmo ficar com prata ou bronze.
E sei, na prática, também, que isso de malandragem, levar vantagem e se dar bem ficou muito longe de ser o ideal para educar o povo brasileiro. É um perfil que não conduz a bons caminhos.
E eu tenho uma outra certeza muito forte de que não gostaria de ver a minha filha crescer com autoestima baixa nem enquanto pessoa, nem enquanto mulher, nem como brasileira, latino americana. Já está mais do que na hora de uma outra história e tudo aponta para uma revisão da nossa identidade.
A propósito, incomoda-me profundamente a alcunha de povo sofredor porque sinto embutida nela uma justificativa que parece amainar a garra de fazer diferente. Um conformismo tácito foi gerado com esse MITO.
Não consigo massacrar os jogadores, nem o goleiro, nem o técnico. Perdi junto com eles. Eles jogaram com a camisa que também visto por nascimento e por escolha. E não foram vendidos, não estavam pouco se lixando, não acharam graça nenhuma. Estão tão decepcionados quanto nós. A derrota deles é a derrota do país também. Sinto vergonha como eles e com eles. Fiquei puta, fiquei nervosa e fiquei com a cara de cu que os 200 milhões ficaram.
Saí (para espairecer) após o jogo, fui ao mercado, abastecer a casa, retomar a vida, reajustar os trilhos… Fui, depois, caminhar sozinha com meus botões por uma hora. E vi muitas crianças levadas pelas mãos de seus pais, pelas mães, por suas avós… todas vestidinhas de verde e amarelo. E as maiores estavam com a decepção estampada no rosto ao lado de familiares que pareciam querer superar o próprio sentimento. As menores brincavam como se nada tivesse acontecido ou como se o passado já fosse mesmo passado no parque infantil às 21h do dia desse jogo.
E nessa uma hora a pé… revi minha história pessoal e constatei que só quando me preparei bem obtive bons resultados. Ainda quando preparada, não garanti as vitórias que escolhi porque sempre houve, há e haverá mais variáveis do que a gente pode prever. Mas técnica, estudo, preparo, organização podem mais conduzir a resultados favoráveis. Foi o que a Alemanha imprimiu diante de um time que ficou atônito vendo a tsunami de gols levar seus sonho embora.
Então acho que cheguei ao que eu quero dizer a Alice agora: a vida continua, o parque está aqui e a escola amanhã de manhã. Não é hora de rir de si, não se escarnece de si próprio, não faça isso, filha, leve-se a sério. E isso não tem nada a ver com o fato de ser engraçada ou de saber rir das intempéries. Aprenda com a derrota, analise o que falhou e se reerga. Sempre.
E nunca se esqueça de que somos nossos maiores inimigos.
Apenas uma seleção ganhará. A gente não ganha todas e a vida nos bate diariamente. Ficamos entre as quatro melhores. Já tem um mundo para bater na gente e não sou eu que vou ficar dando soco no espelho. Hora de catar os cacos e repensar os caminhos, fazendo, com certeza, escolhas diferentes das que conduziram à derrota.