Eu amo o abraço, amo abraçar e gosto de abraço largo, abraço aberto, de peito e alma, abraço sem medo de encostar, sem medo de tocar, sem medo de revelar. E sou assim desde sempre – que eu me lembre. E acho que o meu pai e a minha avó paterna que me ensinaram o abraço. Minha mãe não era dada. Oferecia o abraço ao choro da filha, mas ela era uma fortaleza. Eu , não. Sempre fui espontânea. Rio e choro com a mesma intensidade. E abraço. E beijo também. Sim, foi minha avó. Veio-me à mente o seu cabelo, veio o seu sorriso e vieram também os seus braços abertos sempre com amor. Sim, foi ela que me ensinou.
Em busca das raízes
Nude
Dia nude
ao som de Nando Reis e Skank “Sutilmente”
Alena
Acabei de inventar
Como já falei várias vezes, gosto de rituais. Há lugares que nos causam lembranças dolorosas, que nos angustiam ou nos lembram o que poderia ter sido e não foi. Talvez o Leme da sua vida que se perdeu tal qual sonhara…
Pois bem, três anos depois, o tempo estimado de um luto mesmo, retorno ao local onde muitos sonhos saíram pedalando numa derrocada que me custou um preço altíssimo: família desfeita. Planejo voltar àquela porta de ferro, enorme, ver através das grades que nem fantasmas habitam os corredores frios, quiçá o muquifo de sonhos desfeitos. E descalçar lá as minhas sandálias douradas, os laços que se desfarão, velhos e frágeis, solados corroídos pelo tempo, gastos por tantas pedras e asperezas. Descalça, caminharei em busca de lugar melhor, de ressignificações e um sapato novo .
Plenitude
Faltava pouco. Mas faltava.
Pensei setecentas vezes em abandonar este blog, deixá-lo vagando no universo líquido da rede para sempre. Talvez como se sua autora tivesse morrido. E, por ter mesmo consciência desta morte, da morte da eu Alena de antes e não me saber ainda que eu Alena agora eu era… então…
Estes silêncios gigantes que vivenciei me propiciaram hiatos de dias e posts de vazios que ecoaram para quem abria repetidas vezes estas páginas em busca de mim, de minhas histórias; e estes mesmos silêncios me frustravam por ver este blog abandonado também como espelho do abandono de mim e do não reconhecimento de um eu que não mais se sabia. Identidade fractária.
Neste meio tempo de minha história, tempo de lacuna para o A vida em palavras, os desencaixes se deram por processos de perdas que, somados aos processos anteriores já conhecidos por vocês(morte de meu pai, de minha mãe… avós e também pelo fim de relacionamentos) resultaram numa incompreensão global do todo de mim mesma que só me convidavam ao não falar. Justo eu, a mulher das Letras, a profissional das palavras, a amante da palavra escrita, a pessoa que fala pelos cotovelos e que conversa sem parar. Fui toda silêncios entrecortados por notícias ou breves espaços de histórias não tão interessantes assim.
Eu não sabia se exatamente apenas não convinha dizer. Já não sabia se queria dizer. Tampouco se o que dizia era realmente relevante ( fato com o qual nunca me preocupara antes). Ou mesmo se estava vivendo algo que valesse.
* * *
O tempo passa. Contratempo. Contra tempo.
Tempo arrastado para as dores e insuficiente para digerir todas as coisas. Assim me dei conta de que foram dois anos de um vazio solidão incríveis para mim.
Dediquei-me à autoanálise retroalimentada por cada descoberta de farrapos de mim. De peças desconexas, restos de uma cidade invisível e um tempo impossível agora.
SENSO EXATO DE NÃO PERTENCIMENTO A COISA ALGUMA. Não pertencer a si mesma. Não pertencer ao outro. Não ter vínculos afetivos, estes estraçalhados. Não pertencer a um emprego. Não pertencer a um lugar – que cidade é esta que eu não reconheço, que eu não amo, mas que no entanto me revela aterradoramente ter sido meu berço? Não pertencer a um grupo de iguais. Não pertencer a uma turma. Vê-las todas perdidas. Objetivos distintos, pessoas agora então estranhas. Não pertencer a um estado de espírito tão meu por tanto tempo, tão meu, tão meu. Não me reconhecer no espelho. Não me reconhecer como mãe. Não me saber como mulher. Não ter irmãs – eco vazio de família. Não ter família. Nenhuma. Nem a que eu tinha, nem a que eu sonhei, nem a que eu desejei. Só. Solidão. Não ter casa para voltar, a minha casa, as minhas coisas. Regressar a um espaço vazio de significados. Sem laços. Mausoléu de um tempo que foi bom, mas que se perdeu na memória e apenas nela resta: casa herdada de família.
* * *
Cada projeto em que me meti focava exatamente o micro, a pequena essência… e a busca consistiu em idas e vindas que objetivavam essencialmente o sabor de redescobrir-me, diferente, outra, melhor e também pior, mas Alena.
* * *
Confesso que acho no fundo bacana. Não sei se é isso que se chama maturidade. Mas desconfio. Esse tal de andar devagar porque não faz agora sentido algum ter pressa. Para quê? Para onde? Por quê?
Assim o tempo passou e eu realmente fui me achando. Pedaços essenciais de mim , mas também outras faces desveladas. E confesso , de novo, que estou gostando muito de tudo isso.
Estou de novo gostando muito de mim.
Viver é afinar o instrumento
Tomei coragem, acordei tarde e resolvi ir à academia, ao VP… Por sorte, academia aberta, fui tirar dinheiro, mas resolvi ir logo no VP. Tenho que decidir se vou fazer hidro, natação e musculação e spinning ou se vou fazer tudo ao mesmo tempo. E isso implica custos.
No VP, decisão acertada(!?): paguei nova inscrição e agora tenho 16 semanas para reprogramar minha vida, emagrecer e adquirir de novo os hábitos saudáveis com prazer. Estou entusiasmada.
Depois , vi o mar lindo, lindo! Rumei para a Perini e comprei um brócolis japonês lindo, rúcula, alface americana e nozes, damasco, gorgonzola e pasta de alho, além do irresistível pão com ervas – que me mata e me faz lembrar um certo rapaz. ;D
Satisfeita, voltei para casa e me brindei com este almoço delicioso:
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Coragem grande para emagrecer de vez, metas arrumadas e a certeza de que tudo vai dar certo.
* * * Up date: comprei roupinhas de malhar!!! Viva amiga que empresta cartão e divide em 4 x sem juros (risos)
Com licença, vou ali, caminhar na praia…
* * *
1h 10 de exercício, exaustão quase!
* * * Fim de dia em companhia agradabilíssima de meus amigos Malu e André. Bom papo no Mar na Boca.
Tudo que eu desejar
Todos os livros nos lugares. Hora das palavras explodirem na blogosfera de novo.
Faz mais de um ano que eu me mudei para esta casa. Foi em outubro de 2009. Coração arrasado. Separação iminente. Retornar à Ítaca não foi bem o que desejei após 9 anos de Odisséia. E carregava uma filha então e malas de frustrações. Sem dinheiro. Nenhum centavo. Sem amor. Arrependida de ter acreditado. Sem emprego. Opção justificada, mas estranha.
Passei exatos DEZOITO meses sem arrumar minha casa. As coisas estavam nos lugares, mais ou menos, mas sem amor, sem alegria, sem organização. Jogadas. Há tempo tento fazer a arrumação. A cada tentativa, sobravam tantas coisas que nem sabia o que fazer. Aparentemente melhor isto ou aquilo, a verdade para quem tinha olhos de fora era que aquilo não era um lar. Apenas um amontoado de peças desconexas.
Meus móveis não combinavam – a casa era grande e antiga demais. Indesejada. As coisas estavam usadas, velhas, sem viço, quebradas. Paredes descascando, telhado furado, goteiras. Meus olhos tinham perdido a alegria de ver.
Um ano e seis meses em que eu não fui feliz aqui. Pensei em ir embora várias vezes. Tristeza e depressão. Sentia-me só apesar de Alice.
Montanha de dívidas.
Então, cinco meses após a mudança, tracei um plano: PROJETO MINHA VIDA DE VOLTA. Coloquei uma placa de isopor na parede em cima do computador e escrevi tudo, tudo que eu queria ter de novo e que já tivera um dia. Dei-me prazos. Quatro meses depois, as coisas já tinham mudado de configuração. Estava menos arrasada e DETERMINADA a ser FELIZ de novo. As coisas não foram fáceis. Atropelavam-se. Mas eu tinha arranjado dois empregos bons e feito a opção pelo melhor. De volta à ativa e o projeto de ficar um ano com minha filha realizado. Eu queria a sensação de dedicação à maternidade e alcancei.
Alice não teve festa de aniversário. Embora recebesse dez vezes mais que eu quando ela tinha um ano, o pai não patrocinou o segundo ano dela. O primeiro foi por minha conta. Chateadíssima fiquei. Mas para tudo tem solução. Terá. E também uma lição. Já aprendi.
Troca-troca de babás, até uma ladra passou aqui. Outra achou que tinha o direito de governar minha entrada e saída de casa. Uma delas deslocou o bracinho de Alice. Houve a que chegou a esfaquear o namorado meses depois de sair daqui. Também uma antes me fez perder o trabalho por causa das faltas: não tinha com quem deixar o bebê e ela nunca chegava nas segundas-feiras. Houve a que fez Alice ter uma injustificada crise de gagueira. Outra era porca. Mais uma sem noções de higiene. Outra preguiçosa. Uma fuxiqueira. Outra mentirosa. Foram mais de 20. Por isso não me arrependo de trocá-las todas. Sempre vem alguém melhor e acredito mesmo que a decisão é certa. Agora começo a ter mais paz. Enfim.
Faltam pregos na casa, preciso trocar as brocas de minha furadeira e empunhá-la de novo. Fizeram-me crer indevidamente que existiam trabalhos que não eram femininos e, por conta de baixa autoestima e solidão, não pendurei os quadros, os espelhos, as fotos, os nichos, as prateleiras. Hoje, em minha lista de compras, escrevo pregos, buchas, brocas e um jogo novo de chaves de fenda. Voltei a quem eu sou, me sinto forte e disposta, feliz. E certa de que a furadeira e o que eu mais quiser poderei segurar.
Os problemas ainda me atropelam, mas eu já sei levantar porque fiz isso muitas e muitas vezes na vida. Perdi meu pai, minha mãe, meu avô, meu tio, minha avó e , por fim, a outra avó que tanto me foi inspiração e exemplo. Morreu também um primo. Parece que para lembrar sempre que a hora é agora, que o tempo é este e que a vida é minha. Fênix renovada a cada queda, a cada morte, tranquila pude escolher uma páscoa diferente para mim este ano.
Optei por mim.
Em três dias, acho que fiz muito do que me faltava há tanto tempo.
Estou alegre. Dou risada. Gargalho de novo. E abraço as pessoas. Ouço música. Brinco com as crianças. Tenho saudades dos meus já idos. Escolhi quem realmente valia para companhia nesta estrada da vida. Amigos que me são caros. Leio muito . De novo. Reencontrei a poesia. Voltei a escrever. A fotografar. A ter planos. A conhecer pessoas. A reencontrar pessoas. A ser referência de novidade e alegria.
E hoje à noite farei um brinde a esta que eu sou. Acompanhada de pessoas legais.
Projetos, projetos, projetos
Quando me separei, fui ao limbo estacionar um pouco: nem só de céu vive a humanidade e porque existem dores para serem curtidas, processadas, elaboradas, enfim.
Sumi do twitter, sumi do facebook, do orkut nem se fala e este blog foi pseudoalimentado para que não morresse de vez. Morimbundo, o A vida em palavras ficou sem elas, as palavras.
O que mais me incomodava era a censura inapropriada e perseguidora do équissi. Mas chega também um tempo em que os incômodos deixam de sê-lo.
Demorou.
Muitas coisas me feriram, muitos sonhos desfeitos e a incerteza como caminho. O-que-fazer? Vontade de blogar nunca faltou, mas a agonia de estar sendo vigiada me sufocava. Autocensura foi a minha punição.
* * *
Depois do limbo, sempre vem a lucidez.
Ou a luz do fim do túnel, que não, não era um trem. Era a luz mesmo. Ainda que tênue.
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O primeiro projeto, comecei em junho, quando descobri o lamaçal em que me encontrava: sem emprego, sem amor, sem namorido, sem expectativas, sem sonhos, sem dinheiro, sem projetos. E com uma filha.
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Herdara com minhas irmãs uma casa de família – que é uma casa muito velha e que precisaria ser derrubada e reconstruída para valer a pena. Mas era um teto. Com chuva dentro vez ou outra, mas um teto. Ainda um teto. E próprio, sem aluguel.
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Depressão total. Móveis e bens já desgastados pelos usos e por tantas mudanças, uma filha sorridente e inocente das coisas e dramas do mundo. Meu coração dilacerado.
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Fênix, fênix, fênix. Quase meu mantra.
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Então, pelas mãos da terapia da autoestima, que consiste em fazer um círculo concêntrico com dez outros e um gráfico pizza no qual cada fatia representa uma faceta de sua própria vida, pintei as notas para cada área relevante de minha vida. Descobri o quanto me dediquei às coisas (leia-se pessoas) erradas. Exceto à minha filha.
E parti para o segundo passo: metas. O que eu queria, como eu gostaria de estar e – o mais importante – quem eu era, sempre fui e queria resgatar. Eis o mote.
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O primeiro projeto nasceu então deste processo de conscientização de todas as coisas. Foi o PROJETO MINHA VIDA DE VOLTA.
Monitorei por meses cada instância, fazendo auditorias mensais. Sem neuras. Sem pressa. Sem desespero. Eu sabia onde queria chegar.
Fiz um mural em casa, com uma simples lâmina de isopor e saí colocando papéis e palavras de incentivo.
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Cada dia mais creio na força do desejo, do projeto pessoal e do estabelecimento de metas. Dei-me o prazo de 3 meses para questões menores e outras cruciais. Em menos de um mês e meio estavam todas as metas iniciais cumpridas. Descobri, portanto, o real significado do batido termo FOCAR.
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Perseverei. Fênix.
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Mais metas, mais sonhos, mais ‘limpezas’ a fazer.
Mangas arregaçadas, tímidos caminhos foram aparecendo.
Quando me dei conta, eu já estava empregada.
Quando me dei conta, a pessoa que eu sempre fui estava incorporada de novo.
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Mas nenhuma tsunami passa sem devastar, sem derrubar, sem sequelas graves. E o estrago fora grande.
Passo-a-passo, um dia depois do outro, um pé de cada vez.
Calma, serenidade, lucidez.
Era a leve certeza de que eu já estava indo tarde.
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Limpeza. Faxina. E inventário dos prejuízos – enormes.
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Missões desagradáveis a serem cumpridas: estratégias de sobrevivência.
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Muitos quilos a emagrecer. Muitos. 20 é uma necessidade ou uma vontade?
Efeito sanfona instalado. E eu que nunca pensara passar por isso.
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Demorou, mas o ano novo chegou. 2011. Março.
Enfim uma certeza: o PROJETO MINHA VIDA DE VOLTA chegara ao fim.
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Assim, nasceu, após longo período embrionário (dois meses), o novo projeto: 100 dias para mudar minha vida.
É a hora de consolidar as aprendizagens, superar os traumas e assumir novos espaços de atuação em meu palco-vida.
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Enrolei , enrolei, enrolei. Acabei percebendo que não começaria com tudo arrumado, como festa de 15 anos de gente abastada. O risca-faca era o ponto de partida e cada conquista seria um degrau. Não, eu não estava em carruagem e nem em iate ou jato particular. Quiçá castelos. Os de areia foram desfeitos.
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E o fato é que depois de passar a quarta de cinzas (significativo, não?) arrumando meu guarda-roupa inteirinho, percebi que o projeto havia começado. Data simbólica e fim mais simbólico ainda. Acasos.
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Boa sorte para mim então. São 100 dias para me amar e cuidar de mim. Muito.
Dia dos Pais – homenagem póstuma
Meu avô Antônio foi o homem mais íntegro que eu conheci na vida. Exemplo de família, de bonança. Viveu para seus filhos e netos, viveu para sua família. Deixou-nos de legado principal a exata noção do quão importante é estarmos todos juntos, sermos éticos, termos amizade e, acima de tudo, valorizarmos os nossos laços afetivos.
Teve uma esposa, oito filhos, quatro genros, duas noras, 15 netos e hoje, se fosse vivo, teria 9 bisnetos (e mais um dois a caminho). Soube agradar, respeitar, considerar. Foi um homem gigante, um forte como o sertanejo de Euclides da Cunha. E também um homem extremamente simples.
Lembro-me sempre, ao falar dele, do seu olhar de amor, da forma como nos enxergava, da verdadeira adoração que nutria por nós, suas netas. Lembro-me de quando eu ansiosa e alegre o esperava na escada de casa, chegado do interior, e de como ele trazia suas sacolas cheias de coisas da roça, como o meu beiju que sempre vinha. E lembro-me dos banhos de mar que ele gostava de tomar aqui em Salvador. E dos picolés que a gente chupava na praia: de coco e também de amendoim.
Lembro-me com ternura de como ele cuidava da gente, capaz de ficar sozinho com todos os netos e deles dar conta: brincar, distrair, consertar isto e aquilo, dar banho, pentear cabelo e arrumar todos sentadinhos na sala para ver televisão e comer um prato de biscoito de coco com uma colher de manteiga no final da tarde.
Quando jantávamos na casa dele, sempre havia a carne do sol com rodelas de tomate e um pouquinho de farofa. E a gente comia de tudo, mas ficava ali, esperando ele repartir entre todos o seu quinhão de carne. Era como se fosse o prêmio. Também ele abria a lata de goiabada e o pacote de creme de leite e ia fatiando o doce de acordo com a quantidade de pessoas. Eu era privilegiada, ele sabia que eu adorava creme de leite e a minha taça sempre tinha mais que a de todo mundo. Mas eu sabia esperar para ser a última e ninguém ver a quantidade a mais. Era um segredo nosso.
Lembro-me dele escondendo a minha bicicleta porque eu morava em Salvador, armando a rede de vôlei que ele mesmo fez, na chácara, para jogarmos quando eu levava a minha bola. Lembro-me dele fazendo um balanço para a gente brincar e de guardar as goiabas para “as meninas de Salvador”. Lembro-me da cumplicidade dele com minha mãe, lembro-me de como ela o chamava de painho e como era doce este seu tom.
Porque a gente gostava, sempre tinha suco em sua casa; nunca me esqueço dos liquidificadores de maracujás fresquinhos, suco que ele mesmo fazia, às vezes tão doce. E pão com queijo, manteiga e presunto quentinho, que “estas meninas de Salvador” adoram.
Nas festas de São João, meus olhos brilhavam com a fogueira que ele se orgulhava de fazer. E a gente pequena, eu e Maurício, éramos seus ajudantes na roça: para lá e para cá, como carrapatos, atrás dele o tempo todo. Juntando lenha, enfeitando com bandeirolas, lavando amendoim e descascando milho. Tudo uma novidade muito grande, especialmente para quem vivia “na capital”.
Uma vez ele comprou uma máquina de moer manual para fazer caldo de cana. Bastava minha mãe pisar na chácara e lá íamos nós, girar aquela manivela infinitas vezes até tomar a garapa deliciosa com gelo e canudinhos de plástico nos seus inesquecíveis copos de alumínio.
Arrancar coco, encher o carro de mão e depois vê-lo homem abrí-los com facão nos fazia destemidos de tudo: ele poderia nos proteger contra qualquer coisa. A gente bebia até a barriga ficar enorme, um dois ou três, o que aguentasse. Os canudos eram cortados dos talos das folhas de mamoeiros e davam um gosto diferente à água, um sabor de passado bem vivido. Ficávamos jiboiando no sol com a barriga estourando de tanto coco. E rindo sem parar, como bem cabia a netos felizes.
Depois, ao entardecer, era a hora de ” uma volta de carro de mão”. E a gente sentava no carrinho enquanto ele passeava conosco. Às vezes, cabiam até três netos, os menores.
Ele nunca conseguiu nos proteger direito foi da chuva: gritava no terreiro para entrarmos e a gente pulava sem parar só para se molhar toda mesmo. Arrodeávamso e escolhíamos o caminho mais longo. Tomávamos banhos de poça d’água e corríamos de relâmpagos até ele gritar com sua voz de trovão “já para dentro, seus moleques!” Foi ele também que me ensinou a olhar as árvores, os animais e o céu para descobrir se choveria.
Ele tinha uma risada gostosa, um riso diferente, só dele. Uma gargalhada sonora. Lembro-me dele rindo ao ver novelas – noveleiro nato! O Bem Amado passou quando eu era criança e nunca me esqueço nem do sorriso dele nem do de minha mãe ao ver Odorico Paraguaçu e as três cajazeiras (apelido que virou nosso, três netas de Salvador) . Chico Anísio, Jô Soares e Os Trapalhões. Ele adorava! Seu riso enchia a sala inteira e eu nem sei se a gente assistia a ele ou ao programa.
Catar mangaba embaixo do pé para fazer sorvete. Juntar castanhas para assar. Vê-lo lendo o jornal todos os dias, balançando-se na sua cadeira de fios. Ou juntar os netos para chupar uma lata de umbu até os dentes doerem. Nossos pais não precisaram pedir para que ele brincasse de vovô com seus filhos. Deixava a gente brincar no escuro de cabra-cega, a gente fazer arrelia com os gatos e, de vez em quando, pular nas camas da Barroquinha.
Na ilha, dava a cada neto um chaveiro e a gente ia colecionando as chaves de abrir quitute para, como ele, imitando-o, pensarmos que tínhamos o poder de abrir tantas portas, fechaduras e cadeados.
Tudo que a gente gostava achava na casa dele: bicicleta, doces, balas, alegria e aconchego. Um avô bem grande, diante de nosso tamanho criança, e gigante, se considerarmos as boas lembranças. Ele, às vezes com barba por fazer, arranhava em beijos os nossos rostinhos, dava uns tapas fortes nas coxas grossas e enchia de cheiros os nossos cabelinhos molhados depois do banho. É amor, é avô. É uma saudade que eu tenho hoje. Uma saudade muito gostosa.
Terapia do amor próprio
Estou em fase de umbigocentrismo total, conhecendo cada pedaço de pele, cada cheiro esquecido, cada mecha encaracolada do meu cabelo.
Com tempo para me admirar, me olhar no espelho, gostar do que vejo, sentir o que há tempos não sentia.
Tempo para pensar em saúde, fazer dieta, olhar demoradamente as minhas unhas quadradas de que tanto sempre gostei.
Tempo para estar em paz com a balança, tempo para revisitar o chuveiro, para sentir o cheiro de minha cama, enrolar-me no edredom e abraçar-me com os travesseiros.
Tempo para os muitos casos de amor com a leitura, para devorar livros inteiros em paz, em meu cantinho, afim de mim.
Tempo para beber água sentindo o seu sabor – oh, não, não tão insípido como se adjetiva!
Tempo para estar comigo, para estar em paz, para me sentir, para sentir bem.
É que era São João…
Toda vez que eu não estou num interior brabo, cheio de fumaça de fogueira, de calça jeans e bota, ouvindo trezentas mil vezes os forrós-poemas de Gonzagão, eu morro de tristeza e saudosismo do que era São João…
É que meu avô armava uma fogueira e seus quatorze netos ( nós), nos divertíamos demais a soltar bombas e mais bombas, a rodar chuvinhas, estalar traques e comer milho e amendoim até estourar… Fora o amanhecer com os adultos na fogueira, contando casos enquanto eu e meus primos contávamos estrelas no céu. Assávamos milho na fogueira e fazíamos também um churrasco de fim de noite na brasa linda que ficava a me encantar… eu que sou de leão, elemento fogo.
Fui ao shopping e vi talvez a cena mais falsa da humanidade: o pobre trio de nordestinos com triângulo, zabumba e sanfona a passear pelos consumidores tocando enquanto todos ansiavam a folga para curtir o forró. Um casal de caipiras a caráter dançava e fazia de conta estar num aquadrilha imaginária. Fala sério… Apesar do dinheiro, creio que nem eles gostam daquilo ali. Sentem falta do calor da noite de São João.
Sem graça, tive três na vida: o deste ano, quando fui dormir assimq ue Alice deixou; em 2008, quando o marido estava viajando a trabalho e fiquei grávida e só em casa; e o de 2005, quando fiquei na noite do dia 23 em Pinheiros, São Paulo, a olhar o sol se pôr da janela e pensando no quanto é sem graça o São João das capitais…
Contabilizando meus quase 3+4… Três não é para me desesperar. Foram então 31 bons … Na chácara de meu avô, em Feira de Santana com a família gigante reunida, em Serrinha, no Bom Sucesso, em Bonfim de Feira, em Santo Estevão, em Areia Branca, em Aracaju, em Lençóis, em Amargosa, na Chapada, em Recife…
Ano que vem, prometo que teremos São João!
Que saudades dos festejos juninos… muitas mesmo.