De novo, o mar.

Salvador tem destas coisas. Estressada do trabalho, voltei para casa pela orla. O mar estava de uma cor tão linda que não há quem chegue zangado em casa. O vento no litoral alisava os coqueiros e a maré enchendo nos dava a sensação de pura plenitude. Parecia trazer bênçãos a quem passava.

Outra amiga perguntou…

Hoje a Nalu me perguntou de que é que eu dou aulas?

Bom, quando eu escolhi ser professora, tinha dezessete anos e queria mudar o mundo. Pensei em ser psicóloga, mas me lembrei a tempo de que eu sou muito sensível e de que as pessoas freqüentam psicólogos essencialmente para falar de suas neuras e de seus problemas. Então me imaginei mais deprê do que qualquer paciente… Ui!

Como todo mundo tem neuras… Eu queria mesmo era ser jornalista. Achava o máximo trabalhar num jornal, ser inteligente, acompanhar o dia-a-dia do mundo, apurar fatos, opinar… e ainda entender de cultura geral (para mim estes eram os pré-requisitos básicos para alguém ser jornalista). Quis a vida que eu caísse lá na faculdade de Letras, num acidente de percurso (ou não?).

Quando era pequena, com oito anos, achava lindo pertencer à Academia Brasileira de Letras. Pensava que era a ambição maior que se poderia ter, tal era meu amor pelos livros e autores. Então concluí que ser estudante do que eu amava tanto, os livros, seria não uma profissão, mas um eterno deleite. Às favas com as academias: andar , andar, mas para sair do lugar. Mente sã sem mentir: nadar. E navegar. Porque o poeta já disse que é preciso.

Refleti e juntei um pouco da psicóloga que abraça, ajuda, provoca o questionamento e ouve todo mundo com mais um pouco da jornalista que ambiciona ser culta, que pesquisa, apura, vê as possibilidades de versões, interessa-se por trezentos mil temas diversos. Uni tudo numa tigela bem grande onde pus minha cabeça e meu coração; estudei literatura, lingüística, filologia, latim e outros afins… e fui parar com dezessete anos dentro de uma sala de aula. E amei.

Minha aula é de literatura, gramática e redação. É aula de matemática de vez em quando (ensino regra de três a todo mundo e lógica também, função – que é para que servem as coisas – e área – quadrada ou avançada… Multiplicação e soma… ensino a dividir também!). Da geométrica espacial área da pirâmide, de vez em quando levo meus alunos ao Egito e à origem da escrita. Meu nome é Cairo e fico por lá, mas do Nilo pulo ao Amazonas ou ao Velho Chico. Do Chico, chamo o Buarque que encanta na interpretação de texto e na arte da metáfora. E espaço a espaço sinto com eles a geografia. Do Sudão ao Paraná, vou a Roma e Maringá. Convido-os a Mônaco e à Serra do Mar. Portugal , Espanha e Itália são então espaços para amar. Logo eles percebem que a África é um continente, um país, um povo e também uma agência de publicidade.

Abro o livro e re-invento a máquina do tempo, chego à História Oficial e futuco-a para chegar a novas versões. Sou então outros heróis: pirata, Robin Hood, Lampião… mas também Marechal Deodoro da Fonseca (nunca me esqueci que as pernas dele eram finas e a bunda …). Desfilo fatos, esqueço as datas, penso nas causas, conseqüências e comparações.

Então chego um dia atrasada (ops!) e explico a Física pura que é a vida. Ai, ai… meu sono ainda não percebeu espaço-tempo-velocidade que meu carro e o trânsito insistem em me lembrar. Leio logo depois um poema e vou escrevendo no tempo da memória a possibilidade de um futuro melhor. Sou agricultora e planto em cada sala-terra-fértil um pouco de esperança, muita autonomia e fé em si e no outro. Como atriz, visto a roupa de guerra e no palco da sala combato a covardia, a delação e a mentira.

Incentivo ao grito, embora muitos se mantenham em silêncio atento. Se a questão é o Imperialismo, ensino que The book on the table. Verdes e amarelos, alunos vão amadurecendo, ensinando e aprendendo. A mesa é minha, mas também deles e o livro está lá, aqui e acolá… A química da profissão é essa, entretanto digo a todos que a neurótica ex-psicóloga sabe que seu shampoo é um estrangeirismo, mas não só porque tem lauril éter sulfato de sódio na composição. 

Outra química é particular e está na biologia: pele para abraçar e sentir, que é preciso tato para lidar com pessoas; visão para enxergar e "reparar" (não é Saramago?), prestando atenção e consertando o que puder; audição para ouvir o alter, o ego e o super ego… ouvir os gritos e os silêncios de cada um, mas principalmente os nossos, pessoais; olfato para entender o cheiro bom daquele perfume que passa no corredor e o quanto fedem a injustiça e a corrupção; paladar para degustar o estar com o outro, o conviver, para entender o sabor amargo de tantas coisas e também para não confundir os dissabores com as gentilezas ou doçuras.

Ponho então um chapéu de mestre cuca e nheco nheco com a barriga multicolorida do monstro do sítio, balanço os cabelos para um lado e para o outro, jogando o pó de Pirlimpimpim que peguei da Emília no meu caldeirão, que não é o do incrível, aquele Hulk. Faço uma poção, mas não obrigo a beber. Meus alunos sorvem se quiserem, bebem se sentirem tesão, se acreditarem.

Quando acreditam, o faz-de-conta passa a ser da nossa conta, e a realidade fica pequena, restrita. Então juntos sonhamos com outras eras, outras Heras e Dianas, outras heras e gramas. E na grama que é relva imaginada, deitamos e pensamos na grana que tanto limita, mas que também possibilita.

É neste momento que a arte que não nos deixou em momento algum na sala, logo soa como música em nossos ouvidos, embevece como poemas, pinta novos quadros, arquiteta outros espaços, rejuvenesce as esculturas e as faz maravilhosamente dançar… Aí, pegamos carona naquela cauda de cometa e descobrimos que a Via-láctea  não é feita de leite, mas parece o leite em pó com sua poeira cósmica. Do leite, chegamos ao Ninho e aconchegados no berço do princípio de todas as coisas, descobrimos o que realmente importa: que somos seres. Seres Vivos, portanto devemos Viver mais. Seres Vertebrados , portanto a espinha deve estar ereta face às arbitrariedades do poder, senão o coração não pode estar tranqüilo. Seres Mamíferos que precisam de mãe, de pai e de filhos. Seres racionais, portanto pensamos, sabemos e acreditamos que , acima de tudo, somos humanos.  

 Alena Cairo   30/05/2006

 (Nunca brinquei de escola quando era criança. Sempre achei que escola era coisa séria, não uma brincadeira. Era trabalho, não diversão. Hoje me divirto e brinco trabalhando.) 

Para minha amiga que precisou de mim hoje ;)

Menina de quem eu gosto tanto, fui beber em Neruda (Canto Geral – XXV Apesar da ira ) as palavras para ti:

"(…)

Um vôo 

de pombal saiu da pintura 

com arrebol e azul ultramarinho.

E as línguas do homem se juntaram 

na primeira ira, antes do canto.

Assim, com o sangrento 

titã de pedra,

falcão encarniçado, 

não só chegou o sangue, mas o trigo.

A luz veio apesar dos punhais."

Pablo Neruda

Estes pretendentes…

Da série : estes pretendentes eu não pretendo!

Protagonista número 01: divorciado, pai solteiro, mora com o baby. Está doido para arranjar uma mãe para o seu filho (eu , hein! Vá parir pra lá!). Advogado, professor e dono de um cachorro. Toca violão (uia!).

Ato falho / papo:

– Oi, moça… Blá , blá bláblá…

– Blá, blá, blá…etc e tal.

– Ah, você sabia que eu gasto R$250 a 256 reais no French Quartier toda semana ? 

 Fecham-se as cortinas: DELETE!

Confesso que eu li!

Confesso que eu li!

 Acabaram hoje as apresentações de meus alunos de jornalismo sobre os Ensaios de Risco de Otávio Frias Filho.  Confesso que estou satisfeita com os trabalhos deles.

Ah, um grupinho ainda inventou de 'importunar' o autor e foi o maior barato terem recebido a resposta à mini entrevista que fizeram. Se vocês vissem a carinha de alegria, o brilho nos olhos da molecada e a importância que é para eles um autor responder às questões que fazem… Fora isso, o ineditismo de estarem trabalhando com autores vivos, já que os cânones já foram há muito. 

Outros cânones virão, outra época chegou. Eles se sentiram valorizados. Estimulados a fazer sempre mais. Isso é o meu salário e por estas questões, durmo feliz com a minha profissão.