Sobre mentiras

                                      

Mentiras atordoam.

Quem mente cria um espaço e um tempo para viver algo que julga não poder viver falando a verdade. É uma narrativa capciosa que busca enredar o outro, testar a própria capacidade de sedução e faz, por instantes, aquele que mente se sentir onipotente. É um teatro em que se representam vários personagens, partes do que é o ser humano. Talvez os heterônimos que coabitam em nós.

Como valores são relativos, existe um termômetro de aceitação das mentiras. Dentre as tantas com que convivemos, abominamos algumas, ignoramos outras e aceitamos tantas mais. Aceitamos muitas vezes a mentira para nos autopreservar, para preservar o outro. Abominamos quando nos ferem, especialmente no quesito confiança.

Existem relações nas quais mentiras não cabem, ou melhor, existem mentiras absolutamente desnecessárias  e extremamente prejudiciais ao cotidiano de amigos ou de duas pessoas que se amam. O impacto da descoberta de uma mentira é, muitas vezes, avassalador, como o raio com que Deus destruiu Babel.

O casal que constrói a relação pautada em argamassa de papéis representados, que ferem a própria essência, constrói uma Babel de mil línguas com as quais não se entende nem se comunica. A desconfiança, o ciúme, o desafeto, o jogo de culpas os conduzem à destruição do sentimento. O sexo falha, a ternura fica maculada, o amor se gasta. Muitas vezes, acaba. 

Ninguém no mundo está isento dos efeitos ou da necessidade da mentira. Aquele que escuta a mentira está também construindo a sua torre de ilusões.  Aprisionado fica até que a verdade o liberte.

A imaginação fértil e o potencial ilusório, ficcional, do ser humano facilitam as mentiras; é muito mais difícil falar a verdade. Autoconfiança é o requisito essencial para a verdade. O mentiroso cativa porque encanta em ilusões, mas, essencialmente, porque prende o outro e a si mesmo em uma imagem irreal de si. Dificilmente faz laços, dificilmente se entrega.

Sobre o inocente sorriso da figura de Pinóquio, cresce o nariz do personagem, símbolo da mentira. É rica a metáfora. O boneco é punido através do espelhamento físico do vício que projeta uma conseqüência para suas atitudes e palavras. O nariz que cresce aponta ao mundo aquele que mente. A inocente, pueril e risonha aparência do boneco nos conduz a crer nele, a minimizar os efeitos da mentira. O castigo do mundo das fadas faz com que a sua aparência se modifique. Na vida como ela é, a imagem que temos do outro também sofre: após a descoberta da mentira, o exdrúxulo do nariz da ficção que deforma o rosto do brinquedo equivale à deformação da imagem do outro para nós.

O ressentimento dói, machuca, fere. Ao mentir ou falar a verdade, precisamos ter clareza de seus efeitos. Existem limites para nos relacionarmos com o outro. Como lembra Freud, a vida mental é contínua, nada ocorre ao acaso e os nossos pensamentos, sentimentos, as nossas atitudes ocorrem porque existem motivos.  A interação entre o consciente e o inconsciente conduz aos eventos mentais, a partir da influência de fatos que o precedem. Há sempre elos ocultos entre os eventos conscientes.

A despeito de qualquer coisa, todo ato nosso provoca sempre perdas e ganhos. Precisamos fazer o balanço, verificar conscientemente os benefícios e os prejuízos a que nos estamos conduzindo.

Assumir as conseqüências, se eu não me engano, é uma questão de caráter.

18 comentários sobre “Sobre mentiras

  1. hummm…
    muiyo bom o texto.
    leva a uma reflexão necessária e profunda.

    obrigada, menina… eu nem te conheço.
    beijo.
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    Ane, casa com aquele texto que você linkou no seu blog.
    Sinto muito a gente ter que pensar nestas coisas… A vida tão simples é boa quase sempre… mas a complicam tanto!

  2. Nunca havia visitado o seu blog. Esse ótimo post deveria ser enviado por e-mail a algumas pessoas que conheço.

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    Adorei o seu! Não o conhecia também. Olha, dou licença para mandar o texto. Se quiser, mando eu de indireta(risos). Assim, meio como quem não quer nada. Mas é ruim ter que dizer isso a alguém (snif!)

  3. Mentir é algo que se tornou banal. E todos nós sabemos que afinal uma mentirinha não mata. Mas daí a basear uma vida em coisas fictícias com intuito de transformar a própria vida em algo melhor ou mais interessante do que realmente é, já é algo patológico.

    Beijos, menina!

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    O pior, Tuka, é que eu tive uma amiga que vivia assim: o pai abandonara a mãe e ela nem o conhecia direito. Então sonhou e construiu ummundo de contos de fadas no qual ela era a princesa, claro. Embora de família de classe média bem baixa, criou um universo no qual até casa nos EUA havia. Depois que eu descobri (aos 14 anos!) que eram mentiras, ela ficou simplesmente sem falar comigo! E eu não fiz nada: não contei a ninguém, não a humilhei, não espalhei. O fato de eu saber fez com que ela se afastasse para que pudesse continuar a inventar e inventar e inventar…
    Considero patológico também.

    Beijos!

  4. Nossa como odeio mentiras, como ferem. Prefiro mil vezes a verdade mesmo que dolorida do que mentiras…

    Beijos amei o texto

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    Idem! Doloridas, sim, e muito! Prefiro as verdades sempre. Aprendi cedo que falar a verdade sempre me liberta. Mentira é um círculo vicioso.

  5. É, Alena, eu já conheci uma ou duas pessoas mitômanas. Dessas mesmo, que constroem um mundo fictício. Curioso (embora faça sentido) como a mitomania normalmente anda junto à megalomania… Não apenas no aspecto financeiro e de status social, mas já vi mitômanos/megalômanos culturais também. E seja qual for o contexto, a mitomania é constrangedora, por

  6. (Desculpe, pressionei enter sem querer…) mais que a pessoa minta bem (eu sei, esse conceito é horrível) e tenha boa memória, é inevitável que com o passar do tempo ela caia em contradição, e fica aquela situação de as pessoas em volta trocarem olhares do tipo (lá vem fulano de novo!)… Acho isso horrível. Mentiras são mesmo horríveis.

  7. Alena, entendo perfeitamente o que te levou a escrever este texto e o considero fundamental. Além de denotar o caráter, tem base científica e ficou notável com as pinceladas magistrais do teu dom de escrever. Parabéns. E prossigamos pela VIDA, preferentemente sendo honestos e “verdadeiros”. Abraço.

  8. Se não é a mais pura verdade! Eu ando infuriada com mentirosos… Completamente exausta! Parece que pra todo lado todo mundo perdeu o mínimo da vergonha… As pessoas se acostumaram tanto a mentir que ja não afeta a consciencia mais… ARGGGGGGG!
    Amei o post!
    Bjaum
    Lu

  9. Oie..gostei mto daki..sabe que eu conheço uma pessoa que “vive” com uma mentira..o incrivel e que por mais que eu tente faze-lo contar.. ele nao conta.. nega que tenha mentido..isso e mto chato..
    “eu prefiro ser magoada com a mais dura verdade, do que iludida com a mais doce mentira!!”

    Bom e isso..so mesmo pra desabafar um poukinho..obgda

    Bjos..

  10. Estou pesquisando sobre mentiras infantil, você pode me ajudar? Adotei 2 crianças e uma delas mente muito, gerando calunia das outras pessoas, esta começanbdo a influênciar o menor.
    Obridada Miriam

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    Miriam,

    te enviei um e-mail, mas sou leiga no assunto, tenho experiências apenas da vida.
    Um abraço

    Alena

  11. Oi, realmente o seu texto e bem exclarecedor. Para aqueles que mentem nossa encaicha muito bem. Passei nas mãos de um mentiroso e o pior que acabei aprendendo com ele, mais não a mentir e sim a me valorizar ainda mais. A mentira não te joga adiante mais as consequencias são imperdoaveis, e isso acaba com o carater da pessoa.

    Fernanda

  12. o seu texto esta optimoO…
    isso faz me pensar um pouco na minha vida, eu ainda so tenho 15 anos e vivo uma vida complicada!!!
    pois tudo nao corre como nos queremos, continue assim!!!
    um bjo

  13. O ressentimento dói, machuca, fere. Ao mentir ou falar a verdade, precisamos ter clareza de seus efeitos. Existem limites para nos relacionarmos com o outro. Como lembra Freud, a vida mental é contínua, nada ocorre ao acaso e os nossos pensamentos, sentimentos, as nossas atitudes ocorrem porque existem motivos. A interação entre o consciente e o inconsciente conduz aos eventos mentais, a partir da influência de fatos que o precedem. Há sempre elos ocultos entre os eventos conscientes.

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