De vez em quando aparece em minha vida uma pessoa que me faz ter dúvida de onde é mesmo que fica a linha tênue entre a idiotice  e a bondade. É que eu tenho uma inclinação para ser ‘boazinha’ e, às vezes, muita gente sacana suga.

Tenho sempre receio de julgar mal uma pessoa e aí então aparece uma tendência para crer que a pessoa teve um ataque de regeneração e simplesmente me valoriza ou gosta de mim… mas a danada da dúvida martela a cabeça e fico pensando se não estou mesmo é fazendo papel de otária.

Minha avó sempre disse: ” dá a quem te dá. A quem não te dá, não dá, não. ” Diz ela que os sinos tocam esta canção.

Mas a droga da culpa cristã ou a porcaria da síndrome de mulher boazinha que vai para o céu muitas vezes me faz escolher a outra máxima: ” fazei o bem sem olhar a quem”.

Toco fogo ou passo o bálsamo?

Primeiro dia de aula

De novo você se dirige à sala de aula. De novo você se apresenta. De novo são rostos e mais rostos desconhecidos. Cerca de 60 a cada 100 minutos. Salas superlotadas.

Espera caderneta. Pede para refazer algumas. Acrescenta nomes de alunos. Marca presença e ausência até descobrir aos poucos umas matrículas canceladas. Abandonos.

E começa a coletar papéis. Uma informação, um impresso, um e-mail, um calendário, um manual, um texto, mais outro, outro e outro… ( e você que levou quase um ano tentando deixar sua casa mais magra de papéis)

Então tem que acessar a caderneta on line. Tem que registrar parâmetros de avaliação. Tem que registrar pesos. Datas. Freqüência. E tem que escrever tudo isso de novo no papel – que a tecnologia chegou, mas o papel é documento.

Daqui a uns dias chegam os diagnósticos. As avaliações. As correções exaustivas para qualquer professor. As notas. A segunda chamada. A prova final.

E, depois, mais um semestre.

Acordo com as editoras

Sei não…mas já estou com maus olhos… Depois do acordo, meus livros (e os seus) estão caducos.

Passeando os olhos pelas listas de material escolar, já vejo a exigência de  gramáticas, dicionários e cia, atualizados pelo acordo ortográfico. Cada livrinho destes custa em média 90 reais. E o mini pai-dos-burros, a bagatela de 30 .

Gosto sempre de considerar o valor do salário mínimo como referência. E de pensar em toda a classe média sufocada com os custos, inclusive os da escola particular para os filhos – em Salvador, entre 700 e 950 reais a mensalidade do fundamental e  do médio.

Agora, todos os “livrinhos” não valem mais. Todo mundo troca tudo. Não dá nem para passar de um irmão ou primo para o outro. Nem para comprar no sebo.

Creio, sim, que educação seja investimento. Mas juro que não percebo como as pessoas pagam estas contas.

Pessoas insuportáveis

Existem pessoas que não se contentam em ser chatas. Precisam ser insuportáveis.

Conheço uma senhora que faz questão de ser intragável. Ela não consegue ser feliz sem marcar no seu caderninho diário a dose de encheção de saco alheio. Fico a imaginar ela sentada na cama, com sua caneta preta e uma lista (tenho certeza de que ela a tem) de pessoas (parentes, amigos e conhecidos) no seu rodízio semanal de perturbação da paz alheia.

A vida já não é fácil para todos nós. Todos temos problemas, contas, chateações, tpm’s e aborrecimentos bancários ou seja lá o que for que preocupe cada um de nós, humanos. Mas não. Não basta. Mala sem alça é pouco. Carrapato sanguessuga talvez seja mais apropriado. Não basta grudar: tem que usurpar toda a sua energia, tem que lhe causar uma irritação – mínima que seja, tem que destruir seus estoques de serotonina.

Gente assim vive só. E reclama muito. E faz-se de vítima. E arquiteta, de todas as maneiras possíveis, formas de fazer você se sentir culpada pelas suas dores. Sai pra lá. Que nessa eu não caio. Mas que me aborrece, ah, isso me aborrece mesmo. E muito.

Amigo oculto ou presente designado

Eu confesso que não consigo aceitar a prática que anda se espalhando entre os jovens. No Natal e em outras épocas comerciais, como a páscoa, inventa-se o amigo secreto. Legal fazer amigo secreto, dar a oportunidade a alguém de me presentear e a mim mesma a oportunidade de presentear também. Escolher presentes é uma das coisas mais gostosas de se fazer. Pensar no outro, escolher para o outro, doar ao outro.

O caso é que aqui é costume inventar amigo secreto de presente determinado. Ou melhor, com presente encomendado. Nesta semana, por exemplo, estão acontecendo, em quase todas as salas de aula, amigos secretos de ovo de páscoa. Cada participante escolhe a marca, o tipo, o tamanho e se o chocolate deverá ser branco ou preto. Ora, quem quiser ganhar um ovo x, do tamanho y e das características z… que vá ao comércio e o compre!

Trocar dinheiro? “Só valem ovos entre R$15,00 e R$20,00”, “Todos têm que ser número 16″… me deixem.

A mesma coisa é um tal de amigo secreto de sandália havaiana. A pessoa escolhe o designe, a cor, o tipo e faz a encomenda a alguém que só vai chegar à loja e pagar. Eu não participo destas trocas. Eu não gosto delas.

Há quem participe, não receba o que PEDIU e saia ainda chateadíssimo porque gastou o seu dinheiro e não ganhou o que quis. Até assembléia para decidir o que fazer com o revoltoso que não comprou o que a lista indicava eu já vi acontecer. De novo: quem quiser suas coisas que as compre.

Dou presentes aos meus amigos, escolho com detalhes, penso na pessoa. Depois saio feliz por tê-los agradado e assim me sinto quando recebo gentilezas de quem gosta de mim. Trocar dinheiro só no câmbio, se eu for ao exterior.

O dia do saco preto

Gente , quando morre, recebe um lugar na terra e vai embalada em um caixão às vezes simples, às vezes pomposo… a depender da situação econômica. Dizem que indigente nem caixão recebe, vai embalado no saco preto para o seu calvário que nem pós morte tem fim.

* * *

Semana passada, quase eu breco o carro a 80 km num ato reflexo em plena avenida Paralela. Voltava da faculdade à noite e, ao passar pelo memorial Luís Eduardo Magalhães, tomei um susto daqueles…

É que em tempos de pai vivo, havia flores novas todos os dias a enfeitar uma estátua que o homenageava e, no local onde se diz que colocaram o tal do coração do homem, havia sempre dois policiais civis a tomar conta para que vândalos ou pombos ou sabe-se lá o que mais não pertubasse a paz da estátua que estava em pé eternamente em berço esplêndido.

Pai morto, outro rei posto. Ou reis. Já dizia Camões : “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. O fato é que os herdeiros andam aqui pela Bahia se digladiando pela dinheirama e a mídia está repleta de escândalos, rachas, achismos, conjecturas e… fatos.

Semana passada, o novo governador parece que atinou… qual era a estátua de Salvador que recebia vigilância 24h diárias? Nem Vinícius, sozinho lá em Itapuã nem Jorge Amado lá no meio da praça do Iguatemi nem o caboclo lá no alto do Campo Grande… tsc tsc tsc

E Wagner suspendeu o uso da polícia como mantenedora da paz da estatueta, devolvendo seus dois homens à paz estatal.

* * *

As flores continuam. Eu não sei quem as paga. Deve ser ainda a fortuna do pai. A grande fortuna do pai. Que eu também não levanto hipótese para saber como se multiplicou tanto. Deve ter sido pelo seu trabalho.

* * *

O caso do saco preto é que me intrigou. Era 22h40 de um dia de semana qualquer e eu voltava distraída da faculdade quando vi uma grande lona preta ou um conjunto de sacos pretos amarrados no monumento. Neste mesmo, no monumento ao filho do homem. A estátua estava toda embalada em um saco preto ou o que parecia sê-lo.

Não entendi, não compreendi, não vi notícia, não vi comentários e, somente 24 horas depois, já estava lá de novo a estátua reluzente , guardada por dois seguranças particulares, de roupas simples e mochila igualmente.

Só pude pensar que no tempo do pai isso jamais aconteceria. E que os tempos mudam (ainda bem). O enigma talvez não seja solucionado . Mas que me intrigou, ah, isso me intrigou. Fiquei estupefacta. Nunca havia visto estátua nenhuma embalada, ainda mais daquele jeito, em plena praça pública por assim dizer.

Up date: Segundo um transeunte, a estátua estaria em reforma e por isso foi embalada. 

O que é mesmo que a maternidade faz com as mulheres?

Eu sempre fui sensível. Tá. (tsc tsc) Tá.

Eu sempre me emocionei. Tá. E daí?

Também endureci. Virei cética. Guardei arroubos de lirismo, que minha alma é viva. Vocês sabem. Tá.

E daí?

Perdi meu pai. Triste demais.

Perdi minha mãe. Morri também. E viva.

Amei. Chorei. Sofri. Sorri. Sonhei. É . Ainda sonho. Ainda.

Mas eu estava tão cética, tão triste, tão só, tão vazia… ainda que você não percebesse, ainda que você não soubesse, ainda que você não notasse ou sequer quisesse reparar.

Mas que coisa é esta que está acontecendo comigo que me deu de novo uma dimensão diferente do real, que me fez eu me sentir transcendente, à parte, ‘encasulada’ em mim mesma, feliz, sensível e gigante?

Que coisa é esta que me plantou a dúvida de novo, que me tirou das incertezas em que eu boiava, que me redirecionou ao futuro? Que me fez sorrir sozinha e chorar de mansinho só de ler um texto bonitinho?

Que alegria é esta que me faz chorar, que medo é este que me faz comum? Que sonhos são estes que me fazem tão clichê, tão mãe-igual?

Que redescoberta de mim, do corpo, da voz, dos sonhos? Que consciência é esta do colo, do peito, do ventre ?

Que universo é este que habita em mim?

É você, meu filho, é você.

É você que me faz querer amanhecer.

Férias frustradas

Você viaja com a grande família (dele), leva suas trezentas e oitenta e nove coisas indispensáveis (do desktop ao abridor de coco)  para passar um mês ou dois na casa de praia e na primeira semana já está pensando no que foi que decidiu fazer… no porquê de ter carregado este pc… no porquê de ter parado com sua dieta… no porquê de ter resolvido trocar a filha da p… da placa-mãe do seu computador …  no porquê de não estar de férias num spa.

Seu trabalho a convidou a comparecer trezentas vezes na semana, o pc deu mais trezentos problemas, na casa a que você foi nem sombra de velox, a internet discada é pré-histórica, seu dinheiro foi para as cucuias, tem mais trezentas contas para pagar, engordou um quilo, não foi um dia sequer à praia, estressou-se todos os dias, foi a Salvador todos os dias também, foi a cinema que não queria, comeu porcarias (leia-se guloseimas), não trabalhou, não leu nenhum livro, nenhuma revista… e você ainda ouviu o que não queria.

Se Maomé não vai à montanha…

… o puteiro vem à sua casa.

Antigamente(“nos primórdios”), quando eu era adolescente, saber que existia um lugar para fazer sexo onde só os homens entravam me deu uma curiosidade danada. Primeiro, achava injusto. Por que é que as mulheres também não poderiam ir? Aí descobri que as mulheres iam sim, mas na condição de prato principal.  O silogismo era lógico na minha cabecinha: a mulher é objeto então. E me revoltei.

Ora, cresci com as possíveis castradoras doutrinas católicas e familiares. Ai de minha mãe ao me ouvir falar assim. E ela ouvia. Porque eu conversava e dizia o que pensava. Na condição de mãe, tentava purificar a minha cabeça, mas cada vez mais me dava livros e me estimulava a estudar. Então não teve jeito.

Desde a época em que tomei consciência da condição existencial da putas, fiquei fascinada e deprimida. Fascinada porque pensava na possibilidade de uma mulher fazer sexo com quem quisesse, libido pura, desejo e prazer. Então descobri que não era bem assim. As mulheres putas ou eram escravas do dinheiro ou de sua condição social (às vezes de ambos).

Então percebi que putas não fazem sexo apenas com quem querem, mas com quem paga.

Das putas pobres, eu sempre tive dó. Não creio que a pobreza leve irremediavelmente à prostituição. Há quem seja pedinte, esmolé ou mesmo indigente. Mas é fato que há mulheres de vida difícil que dão o corpo em troca do alimento. Ou do dinheiro para comprá-lo. No âmbito da ficção, por exemplo, a cena mais chocante do filme “O nome da rosa” é para mim a que uma pobre medieva faz sexo com um monge franciscano para receber um frango. A equação é óbvia: sexo = a comer para não morrer de fome .

Outra situação é a da menina, moça ou mulher seduzida pelo novo celular ou pelo jantar ou hotel de luxo, que vende o produto a fim de gozar o dinheiro. É difícil do meu lugar social entender que o valha. O fato é que não se pode comparar ambas garotas. Que fique claro que não estou a atirar pedras, até porque a incompreensão para mim envolve é os freqüentadores das putas.

A mesma cabeça adolescente e anárquica que eu sempre tive perguntava-se desde jovem: mas por que é então que todo mundo não transa com todo mundo para se evitar o sexo pago? Na verdade, evitar-se o nojo de ter INTIMIDADE com quem não se quer? A condição de mulher traída já doía tardiamente (se considero o passado de minhas avós) e precocemente ( se entendo que tinha ainda 14 anos e já pensava assim) em mim. Sim, sentia a dor das putas que copulavam com homens que não desejavam e a dor das mulheres traídas em casa. Até eu entender que não ia salvar a humanidade inteira e que não era Madre nenhuma quanto mais Teresa.

Uma vez um amigo de quase 60 anos me explicou uma coisa: “Alena, a gente paga as putas para depois se ver livre delas”. Minha cabeça deu um nó e eu tinha 26 anos. Pensei, pensei e senti compaixão. Dele. Na varanda, várias conversas com o grisalho me levaram à conclusão triste: estes homens satisfazem o desejo biológico e depois querem ficar a sós. Pagam para ir embora. O gostoso do abraçar e dormir depois não havia. Nem com a esposa em casa, que o casamento estava falido, nem com as moças de aluguel.

***

Mas esta é só uma versão de um longo assunto sobre o qual ainda quero ensaiar bastante. Para ver se eu mesma entendo algumas coisas.

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O fato é que, como não vejo televisão quase nunca, só hoje tomei conhecimento do vídeo no you tube da novela Duas Caras. E aquele lugar mágico, misterioso, proibido e ‘sujo’ que povoou minha imaginação durante anos foi simplesmente revelado tal e qual na novela das oito a todas as famílias que a ela assistem. A minha curiosidade de saber como era um puteiro, uma casa de show, não é mistério hoje para qualquer criancinha ou senhora de idade. Estou doida ou é vídeo erótico esta cena?

Nenhum puritanismo, por favor. Eu era criança e via novelas e achava as putas maravilhosas: eram mulheres maquiadas e exuberantes, sempre alegres e vestidas de forma exótica. Vedetes. Minha mãe precisou de muita castração para me ensinar que aquilo não era maravilhoso (kkkkk) . Eu era criança e o bordel de “Roque Santeiro” era a melhor parte da novela.

O realismo de certas cenas feitas para a família brasileira ultrapassa minha compreensão como no caso da cena protagonizada por Flávia Alessandra. E a necessidade de uma trama como essa também. É o quê? Necessidade de perdoar as belas enfermeiras (eta! lá vão estigmatizar uma profissão) que fazem programa para completar a renda e sustentar os filhinhos?

Qual o benefício sociopolítico destas ditas novelas engajadas? Creio que a ficção não precise de tanta verossimilhança. Em tempos de BBB, Casa dos Artistas, pornografia on line ou via webcam e cia, talvez seja eu mesma a antiquada.